quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Lendas da África Moderna- A visionária menina KiKuiu -Consciência negra e Mulheres


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Na apresentação do livro "Lendas da África Moderna" comenta-se que:


" (...) 

A lenda nasce do que se ouve por aí. Como não há continente nem época que não tenha sido berçário de uma delas, nunca cessam de aparecer. Então, todo dia é possível um episódio heróico, um ser fora do comum ir virando lenda sem a gente se dar conta. Portanto, nem só de passado vivem esses relatos de encantamento.


E também é assim na África moderna que viva, continua produzindo suas histórias. Alguns feitos extraordinários que de lá chegam como notícias logo viram murmurinhos. Então nasce mais uma lenda a respeito da África (...)"


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Pensando assim as escritoras criaram uma inspiradora lenda para Wangari Maathai.

Wangari Maathai, fundadora do movimento Cinturão Verde, foi a primeira mulher africana a receber o Prêmio Nobel da Paz.  

A ambientalista queniana ganhou o Nobel em 2004, por sua contribuição ao desenvolvimento sustentável, à democracia e à paz. 
Wangari com poucas mudas de árvores conseguiu mobilizar a população do Quênia, e no final deste movimento plantou-se mais de 30 milhões de árvores neste país.

Para Maathai, todos podemos contribuir para a preservação do planeta: somos parte do problema e somos também parte da solução.



Abaixo história retirada do livro "Lendas - Da África Moderna" de Heloísa Pires Lima e Rosa Maria Tavares Andrade, com ilustrações de Denise Nascimento.  

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A visionária menina Kikuiu

As fendas abriam o chão feito raio em meio à tempestade. E chegavam cada vez mais perto das moradas do Quênia, um país que fica lá na África. Não eram poucas as casa que já haviam sido devoradas pelas goelas enormes da terra que tragavam a vida do pessoal.

Eu era o único flamingo que restava entre as aves do lugar. E apenas eu saberia o tamanho do lote já transformado em deserto assassino de vidas, não fosse a visionária menina Kikuiu.






Ninguém sabe ao certo como se deu a aparição. Há naqueles que dizem que ela tomou a forma de gente a partir do perfume de managu. A beleza de sua pele negra é como a do broto de managu, que se esparrama após a colheita do milho. E os olhos, bem... vocês já viram os olhos de uma visionária?
Parecem ter uma claridade de iluminar pensamentos sem precisar dizer uma só palavra.

Os habitantes do lugar, ao contrário, pareciam não enxergar nada do que estava a ocorrer ao redor. Cegos e esquecidos! Nem se deram conta de que haviam perdido um tempo. Aqueles em que o verde refrescava a superfície do país. Eles não lembravam que toda planta, não importa qual fosse seu tamanho, deixava suas folhas caírem. Pouco a pouco, de folhinha em folhinha, elas formavam um tapete verde. 


Quando chovia, aquele forradinho de vegetação protegia o território – toda a área-, igual guarda-chuva; as raízes abraçavam o solo, impedindo que deslizasse. Então o chão ficava seguro no mesmo lugar. A água, ao atravessar a terra firme, ia sendo filtrada pelas camadas, guardada limpinha e pronta pra encher um poço, caso alguém quisesse retirá-la lá do fundo.



 


Mas, agora, o mundo andava seco como a garganta das pessoas. Por toda parte, apenas torrões arenosos se esfarelavam só de pegar. As mãos, de tanto não conseguir, esqueceram como cultivar. 

Com a terra seca, não havia refeição fresca. Sem comida, as crianças choravam. Seus pais, caso conseguissem alguma, a escondiam. Cada vez mais a agressividade crescia à procura de alimento. 

Aquele mundo estava mesmo muito doente- terra, planta, bicho, gente. Só faltava o céu adoecer com seu único flamingo.

Mas, em meio à secura dos corações, a pequena menina Kikuiu de olhos visionários começou a ser vista, às vezes à beira de uma cratera, em torno de uma árvore ou atravessando os campos. 

Sempre pedalando uma bicicleta. Então, em dada hora e em tal lugar, fazia as perguntas:
- Onde estão os arbustos que enfeitavam os caminhos?
- Colocaram fogo – mais que depressa lhe responderam.
- Cada animalzinho que  vivia daquele verde ficou torrado no meio do fogaréu que se alastrou.
- Ficaram tão poluídas, tão cheias de plástico e de tudo quanto é sujeira, que só os mosquitos se mudaram para cá. – Esse era o tipo de explicação que lhe davam.
- E a sombra daquela árvore nativa que reunia os vizinhos para ouvirem uma boa história, tocarem uma bela música?



 


De pergunta em pergunta, era admirável como as respostas saltavam da ponta da língua. Quem não sabia que cortaram uma, duas, muitas árvores, desmataram sem dó nem piedade? Acabaram com a floresta!

Como os humanos não percebiam que sem as mata não haveria vento, sem vento não haveria nuvens, sem nuvens não haveria chuva, sem chuva não haveria rios, terra fresca, gente colhendo alimento saboroso e se sentindo satisfeita?

Como não entendiam que era só desmatar pra ver a erva da confusão se espalhar e, com ela, muitos tipos de sofrimentos?
E que deserto surgiria, não fosse a visionária menina Kikuiu?


Então, só se ouvia contar que ela despertava as meninas do país na sua aparição. Um dia, muitas delas foram vistas, como se seguissem alguém, subindo o monte mais alto do Quênia. 

Talvez lá do alto descobrissem o tamanho do deserto que tomava aquela paisagem e o tamanho do belo mundo que deixava, a cada dia, de existir. 

Quando voltaram, todas traziam uma pequena muda de árvore nativa. Cada menina construiu um minúsculo viveiro. E essa ação se repetiu por todo o sul, leste, oeste e norte do país.


 


Alguns habitantes assistiram a tudo com desconfiança, descrença; outros, com curiosidade. Pior quando viram as meninas regarem as mudas com pouca água que havia no lugar: “ Que loucura desperdiçar água no chão”, era o comentário geral.

E eu comecei a notar a transformação. Enquanto uma fenda ameaçadora avançava, um corredor de mudinhas já plantadas formava novos verdes. E quanto mais brotos, mais meninas. 

Todas saíam plantando mais e mais árvores; vinte, vinte mil, vinte milhões. Pelo esforço, o suor caía no solo como chuva fecundadora.
Além das plantas nativas, muitas alegrias floriram junto. E não há quem não veja a mudança a caminho. 

Até mesmo os antepassados invisíveis voltaram a avistar o futuro. Como raízes, abraçaram sua terra, conseguindo protegê-la novamente. Agora, o ar já refresca, seja gente ou semente. Então só resta a este flamingo espalhar a notícia de ser o deserto o único a fugir dali. E correndo.


 

Quando à visionária menina Kikuiu?
Dizem que ela continua aparecendo em lugares que estão se transformando em desertos. Mesmo que sejam muito longe do Quênia.






Para saber mais sobre Wangari Maathai:



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