terça-feira, 27 de agosto de 2013

Por que no céu há tantas estrelas?




"Olhe para as estrelas
Olhe como elas brilham para você"
 Coldplay




Esta semana deparei-me com uma linda foto de estrelas no nosso céu, isto levou-me a lembrar de uma lenda indígena sobre este tema.

Na história da humanidade encontramos diversos modos de se conhecer a natureza e tantas  outras cosmologias quantas culturas humanas são capazes de dizê-las e sonhá-las. 

Os índios construíram também a sua cosmologia, ideias sobre a estruturação do universo, sobre a sua origem e o seu destino. 
Na lenda que apresentaremos, nesta postagem, encontraremos a explicação dos índios Karajá para o surgimento das estrelas e das constelações.



                        Por que no céu há tantas estrelas?


Lenda retirada do livro: 

 "Casamento entre o Céu e a Terra - contos  dos povos indígenas do Brasil"

 Leonardo Boff

O céu estrelado sempre provocou um impacto profundo nos espíritos humanos.
Cada povo projeta a sua cosmologia, quer dizer, sua imagem do universo através da qual procura explicar as razões do surgimento do céu e da terra.
Os Karajá do Tocantins-Xingu contam uma bela estória do homem que, com sua coragem, embelezou o firmamento.




Bonecos feitos pelos índios Karajás, em barro ou madeira.

Esse índio Karajá amava a natureza e mais que tudo os animais e os pássaros, com os quais falava, usando a linguagem deles.

Certa manhã, olhando um bando de papagaios que voava bem alto, se deu conta que o firmamento estava vazio. Nenhum astro o embelezava. 

O clarão do dia, especialmente sob a canícula, tornava o céu cinzento.
- Por que o céu é assim tão vazio? – respondam-me, por favor!

A raposa antecipou-se e disse, em tom quase de acusação:
- Foi o urubu-rei, rei das alturas, que roubou as estrelas para enfeitar o penacho em sua cabeça e torná-lo assim ainda mais resplendente.


Ao ouvir isto, o índio Karajá decidiu tirar a limpo a questão com o urubu-rei. Tomou suas armas e procurou o refúgio onde ele se aninhava. 
Ao vê-lo aproximar-se, disse logo o urubu-rei:
- Você é quem veio desafiar-me? Você não conhece, pequeno homem, a força de minhas garras e de meu bico. Em poucos minutos, posso abrir suas veias e deixá-lo em pedaços.

O Karajá, que sempre mostrara coragem e que, no fundo, amava os animais, deixou cair as armas. E avançou sobre o urubu-rei. Houve uma luta longa e sanguinolenta. 

Se o urubu-rei tinha força, o Karajá tinha habilidade para evitar os cortes profundos das garras e das bicadas potentes. Depois de longa luta, rolando pelo chão entre penas e gritos, ambos estavam extenuados. Até que o Karajá conseguiu imobilizar o urubu-rei, prendendo-lhe as pernas e segurando-lhe, fechado, o bico.

- Se quiser recuperar a liberdade – disse, triunfante, o Karajá – entregue a luz que escondeu em seu penacho na cabeça e nas plumas do corpo. O criador colocou as estrelas no firmamento para embelezar a noite e não para alimentar a sua vaidade.




Mas o rei das alturas, que detinha também o segredo da eterna juventude, não quis saber de renunciar às luzes que tornavam sua plumagem tão fascinante. De que valeria ser eternamente jovem se continuasse sem atrativos e feio?

Cansado de esperar uma decisão do urubu-rei, o Karajá começou a tirar as penas de sua cabeça. Cada pena que lançava no ar se transformava numa estrela do firmamento.

Arrancou depois um chumaço e o lançou ao alto e irromperam os astros que os Karajá chamam de “olhos espantados do peru” – Alfa e Beta do Centauro.






Com outro ainda, os “sete papagaios”- as Plêiades






Com outro ainda, os “olhos dos homens” – Alfa e Beta do Cruzeiro do Sul





Por fim, quando arrancou mais um monte de penas e o lançou ao céu, apareceu “o caminho das estrelas”- a Via-Láctea.





Mas as penas mais brilhantes permaneciam ainda na cabeça do urubu-rei. Quando o Karajá conseguiu tirá-las e lançá-las ao alto, o céu se encheu de um brilho terno e doce. Era a lua cheia. 




Logo depois se acendeu um grande tição de fogo, que iluminou todo o céu e esquentou os dias. Nascia o sol.
Mas, considerando aquele grande esplendor, o índio Karajá disse de si para consigo:
- Bom seria se o sol, por respeito ao brilho tênue das estrelas e à timidez da lua, se escondesse um pouco.
O sol ouviu este sussurro do Karajá e lhe atendeu o desejo. Por isso, à noite ele se esconde. Assim, as estrelas podem mostrar a beleza de seu brilho e a lua revelar a suavidade de sua luz.



O urubu-rei, com a chegada da noite, aproveitou para fugir. Agora não ostentava mais, como nos tempos remotos, um penacho brilhante e um pescoço luzidio. Sua cabeça parecia uma casca de laranja cortada e seu pescoço um ramo seco.

Mas ao fugir, gritou, em tom de deboche, ao karajá:
- Você me tirou as penas, mas conservo ainda o segredo da eterna juventude.
E para fazer raiva ao índio, pronunciou o segredo com voz, sussurrante, imaginando que ninguém estivesse por perto para ouvi-lo. Ocorre que o Karajá não ouviu direito, mas os pássaros e as árvores ouviram as frases principais.
Por isso, eles aprenderam a conservar, até os dias de hoje, o segredo da perene juventude: de tempos em tempos, as aves do céu sempre renovam suas penas e as plantas, suas folhas.

E o índio Karajá continua sendo lembrado quando a tribo, à noite, se reúne ao redor do fogo, para ouvir os antigos contarem as estórias do céu e da terra, do sol e da lua, das estrelas e do firmamento. 




E olham, deslumbrados, para a grandiosidade majestática do céu estrelado. E quando o fogo se apaga, eles se calam reverentes. E um a um se recolhem, calmamente, carregando o céu estrelado dentro de seu coração. 
Deitam-se nas redes e dormem com grande serenidade.






Na internet sobre o urubu-rei:

http://www.folhadomeio.com.br/publix/fma/folha/2011/06/rei220.html

http://www.ao.com.br/download/AO167_33.pdf


Sobre a etnia Karajá:

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/karaja


Dados sobre o número de indígenas no Brasil não-oficial:

http://brasil.wikia.com/wiki/O_Ind%C3%ADgena_brasileiro


Vídeos sobre constelações:

http://www.youtube.com/watch?v=jD9wwYaxTgU

http://www.youtube.com/watch?v=y46inMdFbWM

http://www.youtube.com/watch?v=ilhnlyLGaHc


Para quem tem interesse  sobre (vídeo didático): 
"O tamanho do universo".

https://www.youtube.com/watch?v=UZHSUxhBZ-E


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Ofélia- Hamlet






Ofélia uma das grandes personagens de Shakespeare, inspirou maravilhosas obras de arte e discussões sobre o feminino e a questão patriarcal.

Para exemplificar, a força de Ofélia na história, escolhemos um trecho do enredo, no qual a Rainha Gertrudes informa a Laertes, irmão de Ofélia, que esta se afogou. 

Laertes pergunta: "Afogada! Oh, onde?

Rainha:

Há um salgueiro que cresce inclinado no riacho
Refletindo suas folhas de prata no espelho das águas;
Ela foi até lá com estranhas grinaldas
De botões-de-ouro, urtigas, margaridas,
E compridas orquídeas encarnadas,
Que nossas castas donzelas chamam dedos de defuntos,
Quando ela tentava subir nos galhos inclinados,
Para aí pendurar as coroas de flores,
Um ramo invejoso se quebrou;
Ela e seus troféus floridos, ambos,
Despencaram juntos no arroio soluçante.
Suas roupas inflaram e, como sereia,
A mantiveram boiando um certo tempo;
Enquanto isso ela cantava fragmentos de velhas canções,
Inconsciente da própria desgraça
Como criatura nativa desse meio,
Criada pra viver nesse elemento.
Mas não demoraria pra que suas roupas,
Pesadas pela água que a encharcava,
Arrastassem a infortunada do seu canto suave
À morte lamacenta."

Trecho da obra de William Shakespeare "Hamlet" 
tradução de Millôr Fernandes.



Ofélia - Paul Steck





Ofelia, com Koi por Lantomo





Ofelia, Vogue December 2011



Anna Karoleva - Ofélia







Robert Walquer, Ophelia


Ofélia, John Everett Millais









Prova Ophelia III by Marga López




quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Contos de animais - Magia na floresta amazônica



Uma das histórias que gosto muito de contar e os alunos de ouvir.



Retirada do livro "Contos de animais- do mundo todo", Recontados por Naomi Adler e ilustrações de  Amanda Hall.




Magia na Floresta Amazônica
Brasil

Houve um tempo em que não havia escuridão, nem noite, nem sono.
Só havia luz, dia e despertar. Mas as velhas árvores que viviam na Floresta Amazônica sabiam muita coisa. Foi sua sabedoria que tirou a noite do rio e a trouxe para o mundo.
As velhas árvores lançaram sua magia  por toda a extensão da floresta, e assim nasceram todos os seres animados.  Os gravetos e as raízes se transformaram em mamíferos. As folhas das árvores se transformam em pássaros. 
As pedras e seixos dos rios transformaram-se em peixes e caracóis. Foram criados o tucano, o beija-flor e o papagaio. Foram criados o tatu, o tamanduá, a anta e a onça. Foram criadas a serpente,  a piranha e a tartaruga. 
Tudo isso aconteceu exatamente no momento em que as velhas árvores trouxeram a noite para a terra.
No meio da escuridão, a Serpente vinha rastejando pela margem do rio, contemplando seus olhos bonitos refletidos na água. 
E ela cantava:

Brilho do meu olhar,
Na magia da noite
Quero ver você dançar.

E seus olhos pularam fora de sua cabeça e foram dançar na superfície da água.
Naquele momento, a Onça estava andando pela margem do rio, contemplando seu corpo bonito refletido na água. De repente ela viu os olhos da Serpente dançando na superfície da água.
Ela se abaixou no meio do mato, em silêncio, muito quieta, e ficou observando. Dali a pouco, a Serpente cantou:

Brilho do meu olhar,
Na magia da noite
Quero ver você voltar.

E seus olhos, sempre dançando, voltaram à cabeça dela.
A Onça ficou impressionada com o que acabava de ver. Foi até Serpente e perguntou:
- Como é que você consegue fazer uma coisa tão maravilhosa?
A Serpente, feliz por ter a oportunidade de se exibir, repetiu sua canção. Novamente seus olhos pularam fora de sua cabeça e, como vaga-lumes, dançaram pelo rio sob o luar. Dali a pouco, a Serpente cantou de novo e seus olhos voltaram dançando.
A onça ficou mais impressionada ainda.
- Eu queria que meus olhos também dançassem – ela disse,- Por favor, me ensine esse truque.
A Serpente concordou, mas advertiu:
- Isso não é truque, é magia. E toda magia pode ser perigosa!
Mas a Onça não se importou, ela queria que seus olhos dançassem na água. Então a Serpente começou a cantar:
Brilho do seu olhar,
Na magia da noite
A onça quer ver você dançar.
Na mesma hora, os olhos da Onça pularam fora e foram dançar no meio do rio. Depois de um tempo, a Serpente cantou:

Brilho do seu olhar;
Na magia da noite
A onça quer ver você voltar.

A Onça estava tão intrigada, que ela quis ver aquilo de novo.
- Maravilhoso! Faça outra vez.
- Não, é perigoso- replicou a Serpente.
- Por favor, por favor, só mais uma vez – suplicou a Onças.
A Serpente cedeu. Mas, dessa vez, quando os olhos da Onça estavam dançando na água, ela cantou:

Brilho do seu olhar,
Na magia da noite
EU  quero ver você voltar.

E os olhos da Onça foram dançando até a Serpente, que pos a língua para fora e os engoliu. Então ela virou as costas e entrou na escuridão da floresta. A pobre Onça não enxergava nada. 

Amedrontada e sozinha, ela saiu perambulando pela floresta, sem saber para onde ia, sem saber o que fazer. Sem olhos, ela não podia caçar e estava condenada a morrer de fome. 

Desesperada, deitou debaixo de uma velha árvore. Pôs as patas sobre as órbitas vazias de seus olhos e começou a chorar baixinho.

A árvore ficou com muita pena da Onça e resolveu ajuda-lá. Usando seus poderes mágicos, chamou seu amigo, o Gavião-de-penacho. O Gavião-de-penacho chegou e ficou sobrevoando a Onça.
- Por que está tão triste? – ele perguntou.
A Onça contou a estranha história. O pássaro disse:
- É, estamos mesmo numa época muito estranha. Na escuridão da noite, muitas coisas misteriosas podem acontecer. Espere aqui, vou ver o que posso fazer para ajudá-la.





Com essas palavras, o Gavião-de-penacho levantou voo e foi olhando, ouvindo, até que seus olhos argutos viram a Serpente rastejando para um lago. Voou até ela e disse:
- Ouvi dizer que você é capaz de fazer seus olhos dançarem na superfície da água.
- É verdade – respondeu a Serpente.
O Gavião-de-penacho disse:
- Pois eu não acredito. Isso é impossível.
- Com magia, tudo é possível – replicou a Serpente.
- Não acredito em magia. Se é verdade, por que não me mostra seus olhos dançando sobre a água? – perguntou o Gavião-de- penacho.


A serpente, feliz por ter a oportunidade de se exibir, cantou:

Brilho do meu olhar,
Na magia da noite
Quero ver você dançar.

Seus olhos pularam fora e começaram a dançar no  lago. O Gavião-de-penacho sobrevoou a água, de repente, fez um voo rasante e pegou os dois olhos com o bico. Depois voltou para a escuridão da floresta e voou até a velha árvore, onde a Onça continuava esperando.

Pairando sobre a Onça, o Gavião- de- penacho deixou os dois olhos caírem bem dentro das órbitas dela.
A Onça voltou a enxergar, e muito melhor do que antes. Ela olhou seu reflexo na água e ficou admirada com a beleza e o brilho de seus novos olhos.
- Obrigada, amigo. Como posso recompensá-lo? – ela disse.
- Estou com muita fome. Por que não caça uma anta e traz para mim? É minha carne favorita – replicou o Gavião-de-penacho.
A Onça caçou uma anta e os dois novos amigos comeram juntos um jantar maravilhoso.

A partir daquela noite, a Onça sempre deixa uma parte de sua presa para o Gavião-de-penacho, em agradecimento por seus novos olhos cintilantes. Quanto aos olhos da Serpente eles voltaram a crescer, fixos, brilhantes, resplandecentes, mas nunca mais dançaram na noite mágica.




A escritora conta-nos que descobriu esta história em 1986, em Londres, com uma índia brasileira chamada Inti Ramos.

sábado, 10 de agosto de 2013

Entender?





Entender é sempre limitado




Clarice Lispector




"Eu não entendo, eu não entendo. 

Isso é tão vasto, que ultrapassa qualquer entender.

Entender é sempre limitado.

Mas não entender pode não ter fronteiras.

Eu sinto que sou muito mais completa quando não entendo.

Não entender, do modo como falo, é um dom. 

Não entender. Mas não como um simples estado de espírito.

Bom é ser inteligente e não entender.

É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.

É um desinteresse manso, uma doçura de burrice.

Só que de vez em quando vem a inquietação: eu quero entender um pouco.

Não demais: mas pelo menos entender que eu não entendo"




sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Livro: ZOOM


“Zoom” de Istvan Banyai, é um livro de imagens surpreendentes. 

Apresentei este livro para as turmas de I e II ciclo, mas podemos trabalhá-lo com qualquer faixa etária.


Nas turmas que já trabalhei com este livro, os alunos sempre param para ver as imagens atentamente, buscam compreender o significado de cada ilustração e tentam adivinhar a seqüência da  história.

É uma aventura que deve ser lida diversas vezes e usando diferentes abordagens com os alunos. 
Do micro para o macro ou do macro para o micro, do imaginário para o real, a imagem dentro da imagem, inúmeras são as possibilidades de leitura.

O livro ainda possibilita a reflexão do nosso olhar e da nossa perspectiva, onde qualquer coisa no mundo pode ser substancialmente modificada, dependendo: das informações que dispomos, do contextos social e cultural que vivemos, do ponto de onde olhamos, etc..

"Nós realmente enxergamos a realidade e a totalidade dos fatos, dos fenômenos ou dos objetos?"

O bom do livro é que o aluno pode enxergar que tudo pode ser diferente dependendo do ponto de vista. E também leva-o a  perceber que na maioria das vezes apenas vislumbramos uma pequena parte do todo.