quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Artesanato - 1- costurar


   


"Costureiras”, óleo sobre tela de Tarsila do Amaral (1950)







Gosto de fazer artesanato, não sou muito boa, mas uso às vezes meu lado criativo e saio dando presentes feitos por minhas mãos.

A camiseta acima dei de presente para a Paula que adora cachorros e cuida muito bem de pessoas.  Customizei com tecido, botões e miçanga. O tecido escolhido foi preto e branco por causa das cores da minha cachorra, é óbvio.



A camiseta do elefante (um dos meus animais preferidos) foi feita para minha sobrinha.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Mulheres que correm com Lobos e A pequena vendedora de fósforo


Um livro que recomendo é o da autora Clarissa Pinkola Estés:"Mulheres que correm com os lobos - Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem".

É um livro que interpreta 19 lendas e histórias antigas, entre elas as de Barba-Azul, Patinho Feio, Sapatinhos Vermelhos e La Llorona. A escritora busca identificar o arquétipo da Mulher Selvagem ou a essência da alma feminina, sua psique instintiva mais profunda e propõe o resgate desse passado longínquo, como forma de atingir a verdadeira libertação.




Publiquei em uma postagem anterior o conto intitulado "A pequena vendedora de fósforos" na versão de Hans Christian Andersen. Esta história é antiga, contada pelo mundo todo e em diferentes versões.

Muita gente vê essas histórias como superficiais e piegas, considero um erro por não perceberem  a essência e a profunda "expressão da psique humana" envolta nestes enredos.

Então resolvi partilhar alguns trechos do livro "Mulheres que correm com os lobos", relacionados ao conto "A pequena vendedora de fósforo". 


Trechos selecionados do livro:

(....)
Afugentando a fantasia criativa

Essa criança (a meninha vendedora de fósforo) está num ambiente em que as pessoas não se importam com ela. 


Se você está num ambiente desses, saia daí. 

Essa criança está num meio no qual o que ela tem, foguinhos em palitos — o início de toda possibilidade criativa — não é valorizado. 

Se você estiver numa aflição semelhante, vire as costas e vá embora. 



Essa criança está numa situação psíquica na qual há poucas opções. Ela se resignou ao seu "lugar" na vida. 

Se isso aconteceu com você, pare de se resignar e saia.



O que a menina dos fósforos deve fazer? 

Se os seus instintos estivessem intactos, suas opções seriam inúmeras. Caminhe até uma outra cidade, esconda-se numa carroça, abrigue-se num depósito de carvão. 


A Mulher Selvagem saberia o que fazer em seguida, mas a menina dos fósforos não conhece mais a Mulher Selvagem. 
A pequena criança selvagem está morrendo de frio; tudo o que resta dela é uma pessoa que se movimenta como se em transe. 

Estar com pessoas reais que nos aqueçam, que apóiem e elogiem nossa criatividade, é essencial para a corrente da vida criativa. 

Do contrário, acabamos congeladas.


O ambiente propício é um coro de vozes tanto interiores quanto exteriores que observa o estado do ser da mulher, tem o cuidado de incentivá-lo e, se necessário, também a conforta. 
Não tenho certeza do número de amigos de que precisamos, mas decididamente um ou dois que considerem o seu talento, qualquer que ele seja... 

TODA mulher tem direito a um coro de elogios.



(...)




Para evitar o destino da menininha dos fósforos, há um importante passo que você deve dar. 

Qualquer um que não apóie sua arte, sua vida, não é digno do seu tempo.



É duro mas é verdade. 
Se não pensarmos assim, adotamos direto os trapos da menina dos fósforos e somos forçadas a viver uma; fração de vida que mata pelo frio todo pensamento, toda esperança, talentos, escritos, alegrias, projetos e danças.


(...)



A menina dos fósforos não está num ambiente em que possa se desenvolver. Não há calor, não há gravetos, não há lenha. 

Se estivéssemos no seu lugar, o que poderíamos fazer? 
Para começar, poderíamos não acalentar a terra de fantasia que a menina cria ao acender os fósforos. 




Existem três tipos de fantasias. 
O primeiro é a fantasia do prazer: uma espécie de sorvete mental, exclusivamente destinada à fruição, como quando sonhamos de olhos abertos. 
O segundo tipo de fantasia é a formação intencional de imagens. Essa fantasia é como uma sensação de planejamento. Ela é usada como veículo para nos levar a agir. 
Todos os sucessos — psicológicos, espirituais, financeiros e criativos — começam com fantasias dessa natureza. 
E existe ainda o terceiro tipo, aquela fantasia que paralisa tudo. É o tipo de fantasia que impede a ação adequada nos momentos críticos.
Infelizmente, é essa a fantasia criada pela menina dos fósforos. 
É uma fantasia que não tem nada a ver com a realidade. Ela está relacionada, sim, à sensação de que não há nada a ser feito mesmo e que não faz diferença se mergulhamos numa fantasia vã. 
Às vezes, essa fantasia está na mente da mulher. Às vezes, ela lhe chega numa garrafa de bebida, numa seringa, ou na falta dessas coisas. Às vezes, a fumaça de um alucinógeno é o meio de transporte; ou ainda muitos quartos descartáveis, mobiliados com uma cama e um desconhecido. 
(...)

E o que poderá reverter essa situação e restaurar a autoestima e o amor- próprio? 

Temos de descobrir algo muito diferente do que o que a menina dos fósforos tinha. Precisamos levar nossas idéias para um lugar onde elas encontrem apoio. 
Esse é um passo enorme concomitante com a volta ao foco de atenção: encontrar um lugar propício. 
Pouquíssimas mulheres têm condição de criar apenas com o próprio gás. Precisamos de todos os estímulos que pudermos encontrar.
(...)

Queremos nos colocar em situações nas quais, como as plantas e as árvores, possamos nos voltar para o sol. Mas é preciso que haja um sol. 
Para conseguir isso temos de nos mexer, não simplesmente ficar ali sentadas. Temos de fazer alguma coisa para tornar diferente nossa situação. Se não nos mexermos, estaremos de volta às ruas vendendo fósforos.
(...)

O cuidado e o carinho levam a mulher de um lugar para outro. Eles são como cereais matinais psíquicos.
A diferença entre o consolo e o cuidado e carinho é a seguinte: se você tem uma planta que está doente porque vocês a mantém num armário escuro e você lhe diz palavras tranqüilizadoras, isso é consolo. 
Se você tira a planta do armário e a põe ao sol, lhe dá algo para beber e depois conversa comi ela, isso é cuidado e carinho.
(...)


Você sabe como essas fantasias letais se apresentam, "Um dia quem sabe..."’’Se ao menos eu tivesse...", "Ele vai mudar..." e "Se eu só aprender a meu controlar... quando eu realmente estiver pronta, quando eu tiver XYZ suficiente, quando as crianças crescerem, quando eu me sentir mais segura, quando eu encontrar outra pessoa e logo que eu...", e assim por diante.

A menininha dos fósforos tem uma avó interna que em vez de gritar com ela "Acorde! Levante-se! Não importa a que custo, descubra um lugar quente!", prefere levá-la para uma vida de fantasia, levá-la para o "céu". 

Mas o céu não vai ajudar a Mulher Selvagem, a criança selvagem acuada ou a menininha dos fósforos nessa situação. 
Quando as mulheres estão desconectadas do amor benéfico da mãe selvagem, elas estão vivendo com o equivalente a uma dieta de subsistência no mundo exterior.
(...)

Em termos psíquicos, no sentido mais negativo possível, o inverno traz o beijo da morte — ou seja, uma frieza — a tudo o que toca. 
A frieza representa o fim de um relacionamento. Se você quiser matar alguma coisa, basta agir com frieza. (...)
É essa a situação na psique da menina dos fósforos.
A menina dos fósforos perambula pelas ruas e implora a desconhecidos que comprem fósforos dela. 
(...)

Temos aqui a menina dos fósforos em extrema necessidade de, mendigando, oferecendo na realidade algo de valor muito maior — uma luz — do que o valor recebido em troca — um pêni.
Quer esse "grande valor dado em troca de um valor menor" esteja dentro da nossa psique, quer ele seja vivenciado por nós no mundo objetivo, o resultado é o mesmo: maior perda de energia. 
(...)




Quando a menina dos fósforos resolve acender os fósforos, ela está usando seus recursos para fantasiar em vez de usá-los para agir. 
Ela queima sua energia de um modo quase que instantâneo. Isso aparece com evidência na vida da mulher. Ela está determinada a entrar para a faculdade, mas demora três anos para decidir qual prefere.(...) Ela sabe que deve sair, começar, parar, avançar, mas não faz nada disso. 
(...)

Esse tipo de angústia de conversão, na qual os problemas ou questões são minimizados com a entusiástica fantasia de soluções irrealizáveis ou de tempos melhores, não ataca apenas as mulheres; ele é o maior obstáculo enfrentado pela humanidade. 
(...)

A menina dos fósforos acende outros palitos. Cada fantasia se extingue, e a criança volta a congelar na neve. 
Quando a psique está gelada, a pessoa se volta para si mesma e para ninguém mais. Ela risca um terceiro fósforo. 
Ele é o número três dos contos de fadas, o número mágico, o ponto no qual algo de novo pode acontecer. Nesse caso, porém, como a fantasia supera a ação, nada de novo ocorre.
(...)

A avó é tão carinhosa, tão dedicada, e no entanto ela é a morfina final, o último trago de cicuta. Ela atrai a criança Para o sono da morte. Em seu sentido mais negativo, esse é o sono da acomodação, o sono do entorpecimento — "Tudo bem, dá para eu agüentar"; o sono da negação — "Basta que eu olhe para o outro lado". 
Esse é o sono da fantasia maligna, no qual esperamos que todo sofrimento físico desapareça como que por mágica.

Trata-se de um fato psíquico que,quando a libido ou a energia definha ao ponto de não mais se ver a respiração no espelho, a natureza da vida-morte-vida aparece, representada aqui pela avó. É sua tarefa de chegar no momento da morte de alguma coisa, de incubar a alma que deixou sua casca para trás e de cuidar dessa alma até que ela possa renascer.


Essa é a bênção da psique de todo mundo. Mesmo diante de um final doloroso quanto o da menina dos fósforos, há um raio de luz. Quando se reúnem tempo, insatisfação e pressão suficientes, a Mulher selvagem da psique lançará vida nova na mente da mulher, dando-lhe a oportunidade de agir em seu próprio interesse mais uma vez. 
Como podemos ver pelo sofrimento envolvido, é muito melhor curar nossa dependência da fantasia do aguardar, com desejo e esperança, que sejamos ressuscitadas dos mortos.






Para quem sente saudade do cheiro da mata, do rio, da chuva, da terra o prefácio do livro recomendo ler: 

"Todas nós temos anseio pelo que é selvagem. Existem poucos antídotos aceitos por nossa cultura para esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração.
Deixamos crescer o cabelo e o usamos para esconder nossos sentimentos. No entanto, o espectro da Mulher Selvagem ainda nos espreita de dia e de noite. Não importa onde estejamos, a sombra que corre atrás de nós tem decididamente quatro patas."

Clarissa Pinkola Estés


domingo, 27 de outubro de 2013

Discurso de Luiz Ruffato na Feira do Livro de Frankfurt - 2013



Em seu discurso de abertura na Feira do Livro de Frankfurt, o escritor Luiz Ruffato fez uma pesada crítica as desigualdades sociais brasileiras. Entre outras questões, falou do passado escravagista, de violência, da população carcerária e de homofobia. Leia a íntegra do discurso a seguir:


Veja também: 





O escritor Luiz Ruffato


"O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.


O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro --é a alteridade que nos confere o sentido de existir--, o outro é também aquele que pode nos aniquilar... E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.


Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas - ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.


Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, artistas plásticos, cineastas, jornalistas, escritores.


Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania --moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade--, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...


Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios --o semelhante torna-se o inimigo. 


A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.


Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados. 


Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade. 


E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.


O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais --ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples. 


A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.


Mas, temos avançado.


A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia - são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.


Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, e sim privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.


Nós somos um país paradoxal.


Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo --amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.


Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos...


Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?


Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro --seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual-- como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora."


sábado, 26 de outubro de 2013

Dia 11 de outubro "Dia internacional da menina" e a história " A pequena vendedora de fósforo"

Ainda há muito o que fazer, no dia 11 de outubro a ONU comemorou o "Dia Internacional da Menina".

"Quase 40% das meninas brasileiras discordam que são tão inteligentes quanto os meninos. E mais de 10% delas não se orgulha e nem se sente feliz por ser menina." Os dados são da ONG britânica Plan International, que entrevistou 1.948 meninas de seis a 14 anos nas cinco regiões do Brasil.

Para ler mais:

Abaixo um ótimo vídeo que podemos trabalhar nas escolas : 
Da campanha "Por ser menina":





Um livro infantil me veio à memória e que tem tudo a ver com a questão de ser menina é “A pequena vendedora de fósforos”. O final não é nada convencional, comparado aos outros contos de fadas e é uma história pouco conhecida.
Libertar-se da dependência salvadora de alguém é o que este conto nos aponta, ou agimos ou podemos morrer congeladas. Bem diferente dos tradicionais contos de fadas.

Vamos a história:



A pequena vendedora de fósforo



Fazia um frio terrível. A neve caía e dali a pouco ficaria escuro. Era o último dia do ano: véspera de ano-novo. Nas ruas frias, escuras, você poderia ver uma pobre menininha sem nada para lhe cobrir a cabeça, e descalça. 
Bem, é verdade que estava usando chinelos quando saiu de casa. Mas de que adiantavam? Eram chinelos enormes, que pertenciam à sua mãe, o que dá uma ideia de como eram grandes. 

A menina os perdera ao atravessar correndo uma estrada no instante em que duas carruagens avançavam ruidosamente e numa velocidade apavorante. Não conseguiu achar um pé dos chinelos em lugar nenhum, e um menino fugiu com o outro, dizendo que um dia, quando tivesse filhos, poderia usá-lo como berço.

A menina caminhava com seus pezinhos  descalços, que estavam rachados e ficando azuis de frio. Levava um molho de fósforo na mão e mais no avental. 
Não vendera nada o dia inteiro e ninguém lhe dera um níquel sequer. Pobre criaturinha, parecia a imagem da miséria a se arrastar, faminta e  tiritando de frio. 

Flocos de neve se aninhavam em seu cabelo claro, comprido, que ondulava suavemente de que ela não estava pensando em sua aparência. 
Em cada janela, luzes reluziam e um delicioso cheiro de ganso assado se espalhava pelas ruas. Veja bem, era véspera de ano-novo. Era nisso que ela pensava.

Num canto entre duas casas, uma das quais se projetava sobre a rua, ela se agachou e se encolheu no frio, as pernas dobradas sob si. Mas isso, só a fez sentir mais e mais frio.
Não tinha coragem de voltar para casa, pois não vendera fósforo nenhum e não tinha um níquel para levar. 

Seu pai com certeza iria surrá-la, e depois era quase tão frio em casa quanto aqui. Só tinham o telhado para protegê-los, e o vento sibilava através dele, embora as fendas maiores tivessem sido vedadas com palhas e trapos. 
O frio era tanto que as mãos da menina estavam quase dormentes. 


Ah! Talvez acender um fósforo ajudasse um pouco. Se pelo menos se atrevesse a tirar um do pacote e riscá-lo na parede, só para aquecer os dedos. Puxou um – rrrec! – como ele espirrava enquanto queimava! Surgiu uma luz clara e tépida, como uma vela, quando pôs a mão sobre ele. 

Sim, que luz estranha era aquela! A menina imaginou que estava sentada junto de uma grande estufa de ferro, com lustrosos puxadores de cobre e pés de latão. 
Que calor o fogo desprendia! No instante em que ia esticando os dedos dos pés para aquecê-los também – a chama apagou e a estufa desapareceu. Lá ficou ela, com o toco de um fósforo queimado na mão.

Riscou outro fósforo contra a parede. Ele explodiu em chamas, e a parede que iluminava ficou transparente como um véu. Ela pode ver direitinho dentro da sala, onde, sobre uma mesa coberta com uma toalha branca como a neve, estava posta uma porcelana delicada. 

Bem ali, podia-se ver um ganso assado fumegante, recheado com maçãs e ameixas. E, o que foi ainda mais espantoso, o ganso saltou do prato e saiu gingando pelo piso, com uma faca de trinchar e um garfo ainda espetados nas costas. Rumou diretamente para a pobre menininha. Mas naquele instante o fósforo apagou e só sobrou a parede úmida e fria diante dela.


Acendeu um outro fósforo. Agora estava sentada sob uma árvore de Natal. Era ainda maior e mais bonita do que uma que vira no Natal passado através da porta de vidro da casa de um comerciante rico. 
Milhares de velas ardiam nos ramos verdes, e figuras coloridas, como as que já vira em vitrines, contemplavam aquilo tudo. A menina esticou ambas as mãos no ar.... e o fósforo se apagou.

As velas de Natal foram subindo, subindo, até que ela viu que eram estrelas cintilantes. Uma delas se transformou numa estrela cadente, deixando atrás de si uma risca de fogo coruscante
“Alguém está morrendo”, pensou a menina, pois sua avó, a única pessoa que fora boa para ela e que agora estava morta, lhe contara que, quando a gente vê uma estrela cadente, é um sinal de que uma alma está subindo para Deus.

Riscou mais um fósforo contra a parede. Fez-se um clarão à sua volta, e bem ali, no centro dele, estava sua velha avó, parecendo radiante, e suave e amorosa. 
“ Oh, vovó!” a menina exclamou. 
“Leve-me com você! Sei que vai desaparecer quando o fósforo apagar – como aconteceu com a estufa quentinha, com o delicioso ganso assado e com a alta e bela árvore de Natal.” 


Mais que depressa ela acendeu todo o molho de fósforo, tal era o desejo de conservar sua avó exatamente ali onde estava.
Os fósforos chamejaram com tanto vigor que de repente ficou mais claro que a clara luz do dia. Nunca sua avó parecera tão alta  e bonita. Ela tomou a menina nos braços e juntas as duas voaram em esplendor e alegria, cada vez mais alto, acima da terra, para onde não há frio, nem fome, nem dor. Estavam com Deus.

Na madrugada seguinte, a menina jazia enroscada entre as duas casas, com as faces rosadas e um sorriso nos lábios. Morrera congelada sobre o corpo congelado da menina, que ainda segurava fósforos na mão, um molho já usado. “Ela estava tentando se aquecer”, disseram as pessoas. Ninguém podia imaginar que coisas lindas ela vira e em que glória partira com sua velha avó para a felicidade do ano-novo.

Hans Christian Andersen 





Aqui você pode assistir a animação "A pequena vendedora de fósforo": 




Outra campanha interessante foi lançada em Nova York para ajudar as meninas a aceitar o seu corpo. 
"Sou uma menina, sou bonita como sou", com o objetivo de aumentar a autoestima das garotas e fazer com que elas se sintam bem com o próprio corpo.

"Sou uma menina, sou bonita como sou" é acompanhado de diferentes frases, como "Sou esportista, curiosa, cuidadosa, divertida, corajosa, sincera e engraçada" ou "Sou criativa, líder, esportista, amigável, arrojada, honesta, divertida e única". É uma bela campanha.

Já que um levantamento apontou que 80% das meninas tem medo de estar acima do peso, muitas estão insatisfeita com duas ou mais partes do corpo, 6 em cada 10 meninas se comparam com as modelos e 1/3 diz que passam fome para poder perder peso. Obesidade é um problema real, mas fazer com que as crianças se sintam pior com o seu próprio corpo só piora a situação.


Assista reportagem sobre a campanha aqui:

domingo, 20 de outubro de 2013

Qual livro você seria?



"Renda-se, como eu me rendi. 
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. 
Não se preocupe em entender, 
viver ultrapassa qualquer entendimento."       
Clarice Lispector


Não costumo fazer testes de revistas ou da internet, mas uma vez encontrei um em um blog de literatura, que pretendia responder "Qual livro você é?"
 

Fiz duas vezes este teste (a 2ª vez, fiz meses depois da primeira) e deu o mesmo resultado: 


" A paixão segundo G. H.".

E você se tivesse que escolher um livro "Qual livro você seria?"





Trechos de “A Paixão Segundo G.H.” – Clarice Lispector


"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar". 

(...)

“O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.”

(...)

“Não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir. Mas enquanto eu estava presa, estava contente? Ou havia, e havia, aquela coisa sonsa e inquieta em minha feliz rotina de prisioneira?”

(...)


“Quem sabe me aconteceu apenas uma lenta e grande dissolução? E que minha luta contra essa desintegração está sendo esta: a de tentar agora dar-lhe uma forma? uma forma contorna o caos, uma forma dá construção à substância amorfa.”

“… - então pelo menos eu tenha coragem de deixar que essa forma se forme sozinha como uma crosta que por si mesma endurece, a nebulosa de fogo que se esfria em terra. 
E que eu tenha a grande coragem de resistir à tentação de inventar uma forma."

(...)


"É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo. Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando. Não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir. Mas estou tão pouco preparada para entender. Mas como faço agora? Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê."


sábado, 19 de outubro de 2013

Livro: Poemas Problemas

Nesta última quinta-feira foi divulgada a lista dos vencedores do 55º Prêmio Jabuti. 

Caso queiras conhecer a história e o motivo do nome deste Prêmio vá para o seguinte endereço: http://www.premiojabuti.com.br/content/hist%C3%B3ria

A lista completa dos premiados de 2013:  http://www.premiojabuti.com.br/resultado-vencedores-2013


Um dos livros premiados que recomendo é o da categoria: Didático e paradidático "Poemas Problemas" de Renata Bueno. A obra foi a 1ª colocada e é indicada para as turmas dos 3 anos iniciais do ensino fundamental.








Cada coisa em seu Lugar
O armário de Marieta 
é a maior arrumação.
Seus vestidos estampados vão na primeira gaveta
e na segunda só seus vestidos com botão.
Como será o único vestido de Marieta
que pode ser guardado tanto na primeira como na segunda gaveta?

Respondeu? 
Legal, e os pequenos adoram pensar e encontrar a solução dos enigmas coloridos e cheios de rimas.




terça-feira, 15 de outubro de 2013

Aluna - Cecília Meireles

Imagem: Romero Britto


Aluna

Cecília Meireles
 ( uma grande poeta e professora)


Conservo-te o meu sorriso
para, quando me encontrares,
Veres que ainda tenho uns ares
de aluna do paraíso...


Leva sempre a minha imagem 
a submissa rebeldia
dos que estudam todo o dia
sem chegar à aprendizagem...


- e, de salas interiores,
por altíssimas janelas,
descobrem coisas mais belas,
rindo-se dos professores...


Gastarei meu tempo inteiro
nessa brincadeira triste;
mas na escola não existe 
mais do que pena e tinteiro!


E toda a humana docência
para inventar-me um ofício
ou morre sem exercício
ou se perde na experiência...



Sugestão de site sobre Cecília Meireles:
http://www.releituras.com/cmeireles_bio.asp



Faixa dos Professores na Escola Morro da Cruz- 2013



Foto: Camila Nobrega / Canal Ibase
Dia: 15/10/2013

Manifestação dos professores na Avenida Rio Branco (uma das principais do RJ).


O clima do protesto foi totalmente pacífico. 


domingo, 13 de outubro de 2013

A fome persistirá no mundo até quando? e a história: Quem pegou o pão da casa do João?



A ONU apresentou o relatório da Situação de Insegurança Alimentar no Mundo, no dia  01 de outubro, ainda existem mais de 842 milhões de pessoas que passam fome, isto é uma em cada oito está desnutrida cronicamente e sentiram fome aguda entre 2011 e 2013.

Houve no atual período uma diminuição de 26 milhões, pois entre 2010 e 2012, somavam cerca de 868 milhões de pessoas destrunidas.


No Brasil: uma boa notícia a redução foi de 40% em 20 anos.

Entre 1992 e 2013, o número de brasileiros que passavam fome diminuiu de 22,8 milhões para 13,6 milhões, 40% a menos.  O período de 2011 e 2013 aconteceu uma redução de mais de 54%.


Os principais motivos segundo a FAO devem-se: ao crescimento econômico estável e o incremento nos níveis de renda.


A FAO premiou o Brasil e outros 38 países por terem atingido a meta do milênio para a desnutrição antes de 2015, prazo final.

A FAO define desnutrição ou fome como “não ter comida suficiente para uma vida ativa e saudável” e uma incapacidade de “atender às necessidades energéticas da dieta”.


FAO- Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.






Alguns sites sobre alimentação e combate a fome:








Quem pegou o Pão da Casa do João?

De: Bia Villela



Quem pegou o pão da casa do João...Foi você, menino?




Eu não. Foi a minha irmã.



Quem pegou o pão da casa do João...Foi você, irmã?




Eu não. Foi o nosso pai.





Quem pegou o pão da casa do João.. Foi você, papai?






Eu não. Foi a sua mãe.






Quem pegou o pão da casa do João... Foi você mamãe?




Eu não. Foi a sua avó.




Quem pegou o pão da casa do João.. Foi você, vovó?




Eu não. Foi o seu avô.




Quem pegou o pão da casa do João...Foi você, vovô?




Eu não. Foi uma das minhas filhas.




Quem pegou o pão da casa do João...Foi você, titia?




 Eu não. Talvez o meu filho.




Quem pegou o pão da casa do João...Foi você primo?





Eu não.




Então, quem foi?