segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A Grande Chuva - uma outra lenda indígena



Selecionamos a lenda indígena "A Grande Chuva" reinterpretada pelo autor Walmir Ayala do livro "Moça Lua e outras lendas" as belas ilustrações são de Simone Matias. 
Nesta história o responsável por causar a grande chuva foi o pássaro símbolo do nosso estado, o quero-quero.

Então, finalmente descobrimos o culpado por transformar Porto Alegre em um caos em uma manhã de segunda-feira e provocar diversos prejuízos e danos.
(reeditado)


A Grande Chuva

A culpa foi do quero-quero. Quero-Quero é um passarinho que tem lá no Sul, engraçado, de perna fina e alta, cinzento, e cuida de casa feito cachorro. Pois o quero-quero gritou tanto de noite adentro, fez tanto barulho na casa do gaúcho,  que assustou o dia. O dia resmungou:
- Não entro mais no mundo...

E se meteu com o sol e o céu azul lá longe atrás da luz, numa colônia de férias com o Negrinho do Pastoreio e Nossa Senhora, sua madrinha. Então  a noite ficou suspensa, furiosa e profunda:
- Este quero-quero me paga.

Passou-se o tempo. E a noite era tão escura que os olhos de todos os animais foram crescendo e eram como faróis no escuro, e ninguém dormia nem  falava nem cantava. Todos esperavam o dia que não vinha.
O quero-quero teve que fugir, pois todos os animais da floresta queriam castigá-lo. Andou noite e noite, escuro e escuro, no sem-fim da treva; até que um dia entrou numa toca, pensando:
- O fogo mora numa caverna, vou encontrá-lo e inventar um sol, e o dia será meu escravo.
Acontece que o quero-quero entrou foi na cova da boiguaçu, cobra grande comedora de fogo, que dormia há mais de mil anos. 
Entrou e gritou: Quero-quero! Quero-quero!
A boiguaçu acordou rugindo:
- Quero luz, quero luz...
O quero-quero fugiu espavorido, dando-se conta do que fizera. E a grande serpente, grossa como um jacarandá, deslizou pela floresta comendo os grandes olhos de todos os animais. Foi um pânico enorme na floresta.

Em cima de uma desgraça, outra. Tudo por culpa do quero-quero que continuou fugindo, sem destino e sem sossego. Até que um dia, cansado e triste, viu na beira de um lago o casco verdoso de uma velha tartaruga. As tartarugas eram sábias, viviam pacientes vendo e ouvindo tudo, sem falar, apenas aprendendo.  

O quero-quero contou sua desdita e a tartaruga
aconselhou:
-  Vamos falar com a chuva, tenho um ideia.
O quero-quero subiu no casco da tartaruga e nadaram lago adentro. Bem no centro do lago havia uma escada de cristal, e lá no fundo um jardim de algas, no meio do jardim um esguicho de água. 

A tartaruga falou:
- Aquela é a  chuva.
O quero-quero chegou para a chuva e contou sua desdita, toda a desgraça que, sem querer, trouxera ao mundo. 
A chuva ouviu tudo, depois falou com voz fininha:
- E o que queres agora?
- Falar com o dia, para que ele volte.
- Posso te levar lá, mas o mundo sofrerá muito ainda com minhas águas, e tu não poderás voltar.
- Concordo em não voltar. Precisamos acabar com a noite e com a boiguaçu.
- Então vamos...

Disse assim a chuva e começou a engrossar  aquele  esguicho. Logo era uma cachoeira, umjorro forte que se elevava e inundava tudo.
E o quero-quero ia carregado por aquela força, para o alto. A inundação no mundo foi terrível, morreu a metade do reino animal.


 

Mas o quero-quero queria falar com o dia. E chegou do outro lado da lua, e viu o dia repousando sobre nuvens de todas as cores. 
E pediu ao dia:
- Dia, volte ao mundo.
- Como ousas vir aqui, pássaro importuno?
- O mundo  está perdido se tu não  voltares, ó dia!
- Quem não vai voltar serás  tu, quero-quero. Qualquer  ser  vivente que atravessar para o outro lado da lua nunca mais regressa.
- Eu sabia, a chuva me contou.
- Mesmo assim vieste?
- Eu preciso salvar o mundo que se perdeu por minha causa.
O dia olhou com simpatia para o pequeno quero-quero e disse:
- Isso merece atenção. Teu sacrifício não pode ficar perdido. Voltarei.

No mesmo momento fez um sinal, e  as estrelinhas arrumaram duzentas malas do dia, com luz de diversas qualidades, e mais o crepúsculo e a aurora, e toda a corte do dia pôs-se em movimento... 
A chuva já havia voltado. O dia fez caminhar sua luminosa caravana em direção à terra. 
Quando os primeiros raios de luz aclamaram o mundo,  chuva  secou, os animais agradeceram  a Deus, e a boiguaçu voltou para sua furna, farta e fatigada, para mais mil anos de sono.

Tudo resolvido... O quero-quero ficou do outro lado da lua, e contam que foi muito feliz. De nuvem em nuvem, cantou o seu quero-quero! Até que o Negrinho do Pastoreio o levou para o seu campo celeste onde tudo pode ser como é, e a felicidade e o próprio ar que se respira para sempre.



Para ouvir o canto do quero-quero:
http://commons.wikimedia.org/w/index.php?title=File%3AVanellus_Chilensis.ogg

Para saber mais;
http://pt.wikipedia.org/wiki/Quero-quero




2 comentários:

Dario R. disse...

Boa tarde! gostei bastante desta lenda e como apresenta o passaro Quero Quero.
será possível me passar o nome do pintar da pintura em que mostra um pássaro e a lua?

essa lenda é indígena? da onde ela vem?

Sandra Sabino disse...

Dario, que bom que você entrou em contato. Assim, poderei reeditar esta postagem pois, faltou o nome da ilustradora do livro:Simone Matias, a linda imagem é da ilustradora do livro.
Quero justificar a minha falta, sou professora e geralmente escrevo os blogs a noite, fazendo outras coisas, meu filho que diga quantas vezes já queimei arroz por causa disso.
A lenda, sim é indígena, mas foram reinterpretada pelo escritor Walmir Ayla.
Abços,
Sandra