sábado, 28 de setembro de 2013

Bravo, Bravíssimo! Presidente José Mujica discursa na ONU



O grande orador desta última assembleia geral da ONU, na minha opinião, não foi nem a presidenta Dilma e nem o presidente Obama, mas sim o presidente Mujica.






Mas quem é José Mujica?

Fonte: Wikipédia

José Mujica é o 40º presidente do Uruguai mandato de 1º de março de 2010 até a atualidade.

Mujica recebe 12.500 dólares mensais por seu trabalho à frente do país, mas doa 90% de seu salário para ONGs e pessoas carentes. 

Seu carro é um fusca. Mora em sua pequena fazenda nos arredores de Montevidéu e para ele o restante que sobra do seu salário (aproximadamente 970 €) é o suficiente para se manter.

“Este dinheiro me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios que vivem com bem menos”, diz o presidente.

Mujica teve importante papel no combate à ditadura civil-militar no Uruguai (1973-1985).Mujica passou 14 anos na prisão, de onde só saiu no final da ditadura, em 1985.




"Sou do Sul, venho do Sul"


Na 68ª Assembleia Geral da ONU, um discurso destoante dos demais chefes de Estado trouxe a baila a questão central do nosso tempo: A humanidade ocupou o templo com o deus Mercado.

"A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. 

"O certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas. A nossa civilização montou um desafio mentiroso”.

E ainda defendeu: 


" É através da ciência e não dos bancos que o planeta deve ser governado."

"Pensem que a vida humana é um milagre e nada vale mais que a vida. "



Discurso na integra do Presidente Mujica retirado no site:






Foto: Justin LANE / POOL
  José Mujica durante discurso na ONU


Amigos, sou do sul, venho do sul. Esquina do Atlântico e do Prata, meu país é uma planície suave, temperada, uma história de portos, couros, charque, lãs e carne. Houve décadas púrpuras, de lanças e cavalos, até que, por fim, no arrancar do século 20, passou a ser vanguarda no social, no Estado, no Ensino. Diria que a social-democracia foi inventada no Uruguai.


Durante quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de mudanças funestas, e ficamos estancados, sentindo falta do passado.


Quase 50 anos recordando o Maracanã, nossa façanha esportiva. Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — porque, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte, filhos de meu tempo. Obviamente, os assumo, mas há vezes que medito com nostalgia.


Quem tivera a força de quando éramos capazes de abrigar tanta utopia! No entanto, não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias.


Me angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida.


Mas sou do sul e venho do sul, a esta Assembleia, carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres, nas cidades, nos desertos, nas selvas, nos pampas, nas depressões da América Latina pátria de todos que está se formando.


Carrego as culturas originais esmagadas, com os restos de colonialismo nas Malvinas, com bloqueios inúteis a este jacaré sob o sol do Caribe que se chama Cuba. Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não despertar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego uma gigantesca dívida social, com a necessidade de defender a Amazônia, os mares, nossos grandes rios na América.


Carrego o dever de lutar por pátria para todos.


Para que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, e carrego o dever de lutar por tolerância, a tolerância é necessária para com aqueles que são diferentes, e com os que temos diferencias e discrepâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem estamos de acordo.


A tolerância é o fundamento de poder conviver em paz, e entendendo que, no mundo, somos diferentes.


O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como seja. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade.


Parece que nascemos apenas para consumir e consumir e, quando não podemos, nos enchemos de frustração, pobreza e até autoexclusão.


O certo, hoje, é que, para gastar e enterrar os detritos nisso que se chama pela ciência de poeira de carbono, se aspirarmos nesta humanidade a consumir como um americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para poder viver.


Nossa civilização montou um desafio mentiroso e, assim como vamos, não é possível satisfazer esse sentido de esbanjamento que se deu à vida. Isso se massifica como uma cultura de nossa época, sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.


Prometemos uma vida de esbanjamento, e, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza, contra a humanidade no futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais.


O pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas, as únicas que transcendem: o amor, a amizade, aventura, solidariedade, família.


Civilização contra tempo livre que não é pago, que não se pode comprar, e que nos permite contemplar e esquadrinhar o cenário da natureza.


Arrasamos a selva, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana.


Cabe se fazer esta pergunta, ouvimos da biologia que defende a vida pela vida, como causa superior, e a suplantamos com o consumismo funcional à acumulação.


A política, eterna mãe do acontecer humano, ficou limitada à economia e ao mercado. De salto em salto, a política não pode mais que se perpetuar, e, como tal, delegou o poder, e se entretém, aturdida, lutando pelo governo. Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável. Há marketing para tudo, para os cemitérios, os serviços fúnebres, as maternidades, para pais, para mães, passando pelas secretárias, pelos automóveis e pelas férias. Tudo, tudo é negócio.


Todavia, as campanhas de marketing caem deliberadamente sobre as crianças, e sua psicologia para influir sobre os adultos e ter, assim, um território assegurado no futuro. Sobram provas de essas tecnologias bastante abomináveis que, por vezes, conduzem a frustrações e mais.


O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação. A crise é a impotência, a impotência da política, incapaz de entender que a humanidade não escapa nem escapará do sentimento de nação. Sentimento que está quase incrustado em nosso código genético.


Hoje é tempo de começar a talhar para preparar um mundo sem fronteiras. A economia globalizada não tem mais condução que o interesse privado, de muitos poucos, e cada Estado Nacional mira sua estabilidade continuísta, e hoje a grande tarefa para nossos povos, em minha humilde visão, é o todo.


Como se isto fosse pouco, o capitalismo produtivo, francamente produtivo, está meio prisioneiro na caixa dos grandes bancos. No fundo, são o vértice do poder mundial. Mais claro, cremos que o mundo requer a gritos regras globais que respeitem os avanços da ciência, que abunda. Mas não é a ciência que governa o mundo. Se precisa, por exemplo, uma larga agenda de definições, quantas horas de trabalho e toda a terra, como convergem as moedas, como se financia a luta global pela água e contra os desertos.


Como se recicla e se pressiona contra o aquecimento global. Quais são os limites de cada grande questão humana. Seria imperioso conseguir consenso planetário para desatar a solidariedade com os mais oprimidos, castigar impositivamente o esbanjamento e a especulação. Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada, mas bens úteis, sem fidelidade, para ajudar a levantar os pobres do mundo. Bens úteis contra a pobreza mundial. Mil vezes mais rentável que fazer guerras. Virar um neo-keynesianismo útil, de escala planetária, para abolir as vergonhas mais flagrantes deste mundo.


Talvez nosso mundo necessite menos de organismos mundiais, desses que organizam fóruns e conferências, que servem muito às cadeias hoteleiras e às companhias aéreas e, no melhor dos casos, não reúne ninguém e transforma em decisões...


Precisamos sim mascar muito o velho e o eterno da vida humana junto da ciência, essa ciência que se empenha pela humanidade não para enriquecer; com eles, com os homens de ciência da mão, primeiros conselheiros da humanidade, estabelecer acordos para o mundo inteiro. Nem os Estados nacionais grandes, nem as transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveriam governar o mundo humano. Sim, a alta política entrelaçada com a sabedoria científica, ali está a fonte. Essa ciência que não apetece o lucro, mas que mira o por vir e nos diz coisas que não escutamos. Quantos anos faz que nos disseram coisas que não entendemos? Creio que se deve convocar a inteligência ao comando da nave acima da terra, coisas assim e coisas que não posso desenvolver nos parecem impossíveis, mas requeririam que o determinante fosse a vida, não a acumulação.


Obviamente, não somos tão iludidos, nada disso acontecerá, nem coisas parecidas. Nos restam muitos sacrifícios inúteis daqui para diante, muitos remendos de consciência sem enfrentar as causas. Hoje, o mundo é incapaz de criar regras planetárias para a globalização e isso é pela enfraquecimento da alta política, isso que se ocupa de todo. Por último, vamos assistir ao refúgio de acordos mais ou menos "reclamáveis", que vão plantear um comércio interno livre, mas que, no fundo, terminarão construindo parapeitos protecionistas, supranacionais em algumas regiões do planeta. A sua vez, crescerão ramos industriais importantes e serviços, todos dedicados a salvar e a melhorar o meio ambiente. Assim vamos nos consolar por um tempo, estaremos entretidos e, naturalmente, continuará a parecer que a acumulação é boa, para a alegria do sistema financeiro.


Continuarão as guerras e, portanto, os fanatismos, até que, talvez, a mesma natureza faça um chamado à ordem e torne inviáveis nossas civilizações. Talvez nossa visão seja demasiado crua, sem piedade, e vemos ao homem como uma criatura única, a única que há acima da terra capaz de ir contra sua própria espécie. Volto a repetir, porque alguns chamam a crise ecológica do planeta de consequência do triunfo avassalador da ambição humana. Esse é nosso triunfo e também nossa derrota, porque temos impotência política de nos enquadrarmos em uma nova época. E temos contribuído para sua construção sem nos dar conta.


Por que digo isto? São dados, nada mais. O certo é que a população quadruplicou e o PIB cresceu pelo menos vinte vezes no último século. Desde 1990, aproximadamente a cada seis anos o comércio mundial duplica. Poderíamos seguir anotando dados que estabelecem a marcha da globalização. O que está acontecendo conosco? Entramos em outra época aceleradamente, mas com políticos, enfeites culturais, partidos e jovens, todos velhos ante a pavorosa acumulação de mudanças que nem sequer podemos registrar. Não podemos manejar a globalização porque nosso pensamento não é global. Não sabemos se é uma limitação cultural ou se estamos chegando a nossos limites biológicos.


Nossa época é portentosamente revolucionária como não conheceu a história da humanidade. Mas não tem condução consciente, ou ao menos condução simplesmente instintiva. Muito menos, todavia, condução política organizada, porque nem se quer tivemos filosofia precursora ante a velocidade das mudanças que se acumularam.


A cobiça, tão negativa e tão motor da história, essa que impulsionou o progresso material técnico e científico, que fez o que é nossa época e nosso tempo e um fenomenal avanço em muitas frentes, paradoxalmente, essa mesma ferramenta, a cobiça que nos impulsionou a domesticar a ciência e transformá-la em tecnologia nos precipita a um abismo nebuloso. A uma história que não conhecemos, a uma época sem história, e estamos ficando sem olhos nem inteligência coletiva para seguir colonizando e para continuar nos transformando.


Porque se há uma característica deste bichinho humano é a de que é um conquistador antropológico.


Parece que as coisas tomam autonomia e essas coisas subjugam os homens. De um lado a outro, sobram ativos para vislumbrar tudo isso e para vislumbrar o rombo. Mas é impossível para nós coletivizar decisões globais por esse todo. A cobiça individual triunfou grandemente sobre a cobiça superior da espécie. Aclaremos: o que é "tudo", essa palavra simples, menos opinável e mais evidente? Em nosso Ocidente, particularmente, porque daqui viemos, embora tenhamos vindo do sul, as repúblicas que nasceram para afirmas que os homens são iguais, que ninguém é mais que ninguém, que os governos deveriam representar o bem comum, a justiça e a igualdade. Muitas vezes, as repúblicas se deformam e caem no esquecimento da gente que anda pelas ruas, do povo comum.


Não foram as repúblicas criadas para vegetar, mas ao contrário, para serem um grito na história, para fazer funcionais as vidas dos próprios povos e, por tanto, as repúblicas que devem às maiorias e devem lutar pela promoção das maiorias.


Seja o que for, por reminiscências feudais que estão em nossa cultura, por classismo dominador, talvez pela cultura consumista que rodeia a todos, as repúblicas frequentemente em suas direções adotam um viver diário que exclui, que se distância do homem da rua.


Esse homem da rua deveria ser a causa central da luta política na vida das repúblicas. Os governos republicanos deveriam se parecer cada vez mais com seus respectivos povos na forma de viver e na forma de se comprometer com a vida.


A verdade é que cultivamos arcaísmos feudais, cortesias consentidas, fazemos diferenciações hierárquicas que, no fundo, amassam o que têm de melhor as repúblicas: que ninguém é mais que ninguém. O jogo desse e de outros fatores nos retém na pré-história. E, hoje, é impossível renunciar à guerra quando a política fracassa. Assim, se estrangula a economia, esbanjamos recursos.


Ouçam bem, queridos amigos: em cada minuto no mundo se gastam US$ 2 milhões em ações militares nesta terra. Dois milhões de dólares por minuto em inteligência militar!! Em investigação médica, de todas as enfermidades que avançaram enormemente, cuja cura dá às pessoas uns anos a mais de vida, a investigação cobre apenas a quinta parte da investigação militar.


Este processo, do qual não podemos sair, é cego. Assegura ódio e fanatismo, desconfiança, fonte de novas guerras e, isso também, esbanjamento de fortunas. Eu sei que é muito fácil, poeticamente, autocriticarmo-nos pessoalmente. E creio que seria uma inocência neste mundo plantear que há recursos para economizar e gastar em outras coisas úteis. Isso seria possível, novamente, se fôssemos capazes de exercitar acordos mundiais e prevenções mundiais de políticas planetárias que nos garantissem a paz e que a dessem para os mais fracos, garantia que não temos. Aí haveria enormes recursos para deslocar e solucionar as maiores vergonhas que pairam sobre a Terra. Mas basta uma pergunta: nesta humanidade, hoje, onde se iria sem a existência dessas garantias planetárias? Então cada qual esconde armas de acordo com sua magnitude, e aqui estamos, porque não podemos raciocinar como espécie, apenas como indivíduos.


As instituições mundiais, particularmente hoje, vegetam à sombra consentida das dissidências das grandes nações que, obviamente, querem reter sua cota de poder.


Bloqueiam esta ONU que foi criada com uma esperança e como um sonho de paz para a humanidade. Mas, pior ainda, desarraigam-na da democracia no sentido planetário porque não somos iguais. Não podemos ser iguais nesse mundo onde há mais fortes e mais fracos. Portanto, é uma democracia ferida e está cerceando a história de um possível acordo mundial de paz, militante, combativo e verdadeiramente existente. E, então, remendamos doenças ali onde há eclosão, tudo como agrada a algumas das grandes potências. Os demais olham de longe. Não existimos.


Amigos, creio que é muito difícil inventar uma força pior que nacionalismo chovinista das grandes potências. A força é que liberta os fracos. O nacionalismo, tão pai dos processos de descolonização, formidável para os fracos, se transforma em uma ferramenta opressora nas mãos dos fortes e, nos últimos 200 anos, tivemos exemplos disso por toda a parte.


A ONU, nossa ONU, enlanguece, se burocratiza por falta de poder e de autonomia, de reconhecimento e, sobretudo, de democracia para o mundo mais fraco que constitui a maioria esmagadora do planeta. Mostro um pequeno exemplo, pequenino. Nosso pequeno país tem, em termos absolutos, a maior quantidade de soldados em missões de paz em todos os países da América Latina. E ali estamos, onde nos pedem que estejamos. Mas somos pequenos, fracos. Onde se repartem os recursos e se tomam as decisões, não entramos nem para servir o café. No mais profundo de nosso coração, existe um enorme anseio de ajudar para que o homem saia da pré-história. Eu defino que o homem, enquanto viver em clima de guerra, está na pré-história, apesar dos muitos artefatos que possa construir.


Até que o homem não saia dessa pré-história e arquive a guerra como recurso quando a política fracassa, essa é a larga marcha e o desafio que temos daqui adiante. E o dizemos com conhecimento de causa. Conhecemos a solidão da guerra. No entanto, esses sonhos, esses desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais que comecem a governar nossa história e superar, passo a passo, as ameaças à vida. A espécie como tal deveria ter um governo para a humanidade que superasse o individualismo e primasse por recriar cabeças políticas que acudam ao caminho da ciência, e não apenas aos interesses imediatos que nos governam e nos afogam.


Paralelamente, devemos entender que os indigentes do mundo não são da África ou da América Latina, mas da humanidade toda, e esta deve, como tal, globalizada, empenhar-se em seu desenvolvimento, para que possam viver com decência de maneira autônoma. Os recursos necessários existem, estão neste depredador esbanjamento de nossa civilização.


Há poucos dias, fizeram na Califórnia, em um corpo de bombeiros, uma homenagem a uma lâmpada elétrica que está acesa há cem anos. Cem anos que está acesa, amigo! Quantos milhões de dólares nos tiraram dos bolsos fazendo deliberadamente porcarias para que as pessoas comprem, comprem, comprem e comprem.


Mas esta globalização de olhar para todo o planeta e para toda a vida significa uma mudança cultural brutal. É o que nos requer a história. Toda a base material mudou e cambaleou, e os homens, com nossa cultura, permanecem como se não houvesse acontecido nada e, em vez de governarem a civilização, deixam que ela nos governe. Há mais de 20 anos que discutimos a humilde taxa Tobin. Impossível aplicá-la no tocante ao planeta. Todos os bancos do poder financeiro se irrompem feridos em sua propriedade privada e sei lá quantas coisas mais. Mas isso é paradoxal. Mas, com talento, com trabalho coletivo, com ciência, o homem, passo a passo, é capaz de transformar o deserto em verde.


O homem pode levar a agricultura ao mar. O homem pode criar vegetais que vivam na água salgada. A força da humanidade se concentra no essencial. É incomensurável. Ali estão as mais portentosas fontes de energia. O que sabemos da fotossíntese? Quase nada. A energia no mundo sobra, se trabalharmos para usá-la bem. É possível arrancar tranquilamente toda a indigência do planeta. É possível criar estabilidade e será possível para as gerações vindouras, se conseguirem raciocinar como espécie e não só como indivíduos, levar a vida à galáxia e seguir com esse sonho conquistador que carregamos em nossa genética.


Mas, para que todos esses sonhos sejam possíveis, precisamos governar a nos mesmos, ou sucumbiremos porque não somos capazes de estar à altura da civilização em que fomos desenvolvendo.


Este é nosso dilema. Não nos entretenhamos apenas remendando consequências. Pensemos na causa profundas, na civilização do esbanjamento, na civilização do usa-tira que rouba tempo mal gasto de vida humana, esbanjando questões inúteis. Pensem que a vida humana é um milagre. Que estamos vivos por um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico, acima de todas as coisas, é respeitar a vida e impulsioná-la, cuidá-la, procriá-la e entender que a espécie é nosso "nós".


Obrigado.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A lenda da mandioca e Desalambrar







Cozinhando mandioca recordei da minha infância, a minha família arrendava um terreno em frente a minha casa e o utilizava para plantar batata, milho, feijão, etc. 
Os produtos eram usados para a subsistência da família. 
Nesta pequena lavoura aprendi diversas coisas: como escolher uma rama sadia, cortá-la em mais ou menos 20 cm, em saber calcular o espaçamento adequado para plantá-la e ter assim o melhor rendimento. 

Óbvio que a minha mente inquieta me levou rapidamente a origem da mandioca e a uma lenda bastante conhecida. 

A mandioca é uma planta de origem sul-americana, cultivada desde a antiguidade pelos povos nativos deste continente.





A mandioca é alimento principal de várias culturas indígenas. 
Os alimentos básicos vem cercados de estórias miraculosas, que ressaltam sua importância para a vida do povo. 
Assim acontece com o milho, a batata, o arroz e o trigo. As religiões tomam alguns desses alimentos e os transformam em sacramentos, que sinalizam a vida eterna, anseio de todos os sonhos.

Na cultura Tupi-Guarani, guarda-se uma bela estória da origem da mandioca.


A mandioca, o corpo de mandi


Em tempos muito antigos, a filha de um chefe indígena, apareceu misteriosamente grávida. 
O chefe quis punir quem desonrara a filha. Para saber quem era, pressionou-a fortemente com ameaças e severos castigos.   
Ela permanecia inflexível não dizendo o nome e afirmando que não tivera relação com homem algum.
O chefe resolveu então matá-la, para vingar a honra e para dar uma lição a todas as moças da tribo. 

Ele  então, sonho com um homem branco, que lhe dizia:
- Não faça isso. Não mate a sua filha. Ela é inocente. Jamais teve relação com nenhum homem.
Ele temeroso desistiu de matá-la.
Após nove meses, nasceu uma linda menina. Sua pele era branca como a nuvem mais branca.
Mandi era seu nome. Todos ficaram intrigados e amedrontados quando viram a cor de sua pele.
- É um triste presságio. Desgraças virão sobre nossa tribo e sobre nossas plantações.

A tribo pediu ao Cacique para fazer desaparecer a sua neta, afirmando que ela traria desgraças para todos.
A noite o Cacique levou a neta ao rio, lavou-a nas águas e suplicando as forças dos espíritos benfazejos.
No dia seguinte reuniu a tribo e disse que os espíritos tinham recomendado que Mandi ficasse entre eles.

Os índios obedeceram e com o passar do tempo, Mandi foi crescendo e todos acabaram se apaixonando por ela.

Um dia simplesmente ela morreu. 
Foi um lamento geral. Resolveram enterrar Mani na maloca do seu avô. Ele chorou dia e noite sobre a sepultura da menina. 
Foram tantas lágrimas que do chão brotou uma plantinha.
Os pássaros vinham bicá-la e ficavam inebriados, até que um dia a terra se abriu, e as raízes de uma planta surgiu.
Todos comentavam: como as raízes são negras por fora e por dentro são alvíssimas.



Os índios colheram as raízes, que pareciam a pele de Mandi, comeram e descobriram que eram deliciosas.
E inspirados concluíram que aquelas raízes seriam a vida de Mandi se manifestando.

E foi assim que a Mandioca se transformou no principal alimento dos índios Tupi-Guarani e de outras tribos. 
Mandioca significa “a casa de Mandi” ou o “ corpo de Mandi”.


Lenda retirada do livro “ O casamento entre o céu e a terra”- Contos dos povos indígenas do Brasil
De Leonardo Boff




Abaixo, uma outra versão indígena da lenda da Mandioca. Vídeo com encenação da lenda em libras.

http://www.youtube.com/watch?v=uC_jR7Dtffs

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Desalambrar

“Desalambrar", do espanhol, significa retirar os arames que cercam um território. 

Somos uma única Terra e os índios nos ensinaram que ela pertence a todos os seres vivos deste planeta. 
Os humanos recebem a terra apenas emprestada para seu usufruto, e possuem a responsabilidade de cuidá-la adequadamente. 

"Desalambrar" me faz lembrar disto ( a Pátria única) e ainda mais esta música na voz de Victor Jara.

Mas quem foi Victor Lidio Jara Martínez?

Nasceu em San Ignacio, em  28/09/1932 e foi morto em Santiago no dia 16/09 de 1973. Foi professor, diretor de teatro, poeta, cantor, compositor, músico e ativista político chileno.

Nascido numa família de camponeses, Jara se tornou um reconhecido diretor de teatro, dedicando-se ao desenvolvimento da arte no país, dirigindo uma vasta gama de obras locais, assim como clássicos da cena mundial. 
Simultaneamente, desenvolveu uma carreira no campo da música, desempenhando um papel central entre os artistas neo-folclóricos que estabeleceram o movimento da Nueva Canción Chilena, que gerou uma revolução na música popular de seu país durante o governo de Salvador Allende. 
Também era professor, tendo lecionado Jornalismo na Universidade do Chile.
Logo após o golpe militar de 11 de setembro de 1973, Jara foi preso, torturado e fuzilado. Seu corpo foi abandonado na rua de uma favela de Santiago.








Não Esqueceremos Jamais! 

Salve, Victor Jara!

sábado, 21 de setembro de 2013

O Matador




Ah, Infância! 

Geralmente as pessoas lembram da sua infância com saudade e costumam comparar com as dos dias de hoje, salientando como os valores foram sendo modificados e esquecidos. 

Hoje as crianças urbanas convivem com muitos limites, como a falta de espaços livres nas ruas para suas brincadeiras. 
As ruas passaram a ser destinadas exclusivamente ao trânsito e aos carros, e as crianças migraram para espaços fechados, isto também devido o medo da violência que assola as grandes cidades.
Uma outra mudança que presenciamos foi a exacerbação do consumismo em nossa sociedade e está atinge de forma assustadora o jeito de brincar dos meninos e meninas.

Percebemos que as formas de brincar de ontem e hoje modificaram consideravelmente, mas saliento que nem todas as mudanças são negativas. Por exemplo, não acredito que ninguém vá argumentar que deveríamos continuar a ensinar as crianças a usar botoque e pedras para matar pequenos animais ou que para educar uma criança seja necessário "dar uma surra para ela aprender a não aprontar mais". 

A história postada nos remeterá aos tempos da minha infância, onde muitas brincadeiras aconteciam nas ruas e nos espaços livres, eram geralmente realizadas em grupos e quase nunca contavam com o controle de um adulto por perto.

Uma questão surge, realmente todas as brincadeiras da nossa época eram mais saudáveis, humanas, alegres e criativas que as atuais?

O autor acerta o alvo e na medida certa fala da sua infância e nos explica o que se pode estar passando na alma de uma criança.


O Matador

De:Wander Piroli
Ilustrações: Odilon Moraes


Naquele tempo, havia muitos quintais e lotes vagos. E era tudo arborizado,tanto em nossa rua, como em todo o bairro.

Cada menino trazia sempre, o seu bodoque no bolso, e, junto com ele, um punhado de munição: cinco ou mais pedras do tamanho de uma jabuticaba.




Quando aparecia uma oportunidade – isto é, o dia todo-, fazíamos pontaria, e alguns pardais, mais do que depressa, iam desistir de viver.


Todos eram bons no bodoque, matavam os seus pardais.
Todos, menos eu.




A pedra passava por cima, por baixo, de lado.  Por mais que caprichasse na pontaria e me aproximasse da vítima, não conseguia atingi-la.




Às vezes, o pardal, nem se dava ao trabalho de fugir. Continuava no mesmo lugar, tinha a impressão de que gozava, na certeza de que não corria nenhum risco.
E não corria mesmo.
Aí vinha a humilhação. Os companheiros debochavam, riam na minha cara.




Eu guardava tudo isto, uma raiva muda, para descontar mais tarde no futebol, distribuindo pisadas e pregos a granel.
Um alívio temporário. O que eu queria mesmo, acima de tudo, era também matar o desgraçado de um pardal.




Muitas vezes ficava no fundo do quintal, sozinho, treinando a pontaria. Punha uma caixa de fósforo numa forquilha de jabuticabeira, mirava bem e – pimba – errava o alvo.
Trocava o bodoque, mudava de posição: a caixinha continuava no mesmo lugar, intacta.

Foi assim, até que, um dia, eu estava no fundo do quintal. Mas sem bodoque, sem nada, desarmado. 
Quando um pardal pousou na quina da coberta.
Não me lembro do que fazia. Sei que estava lá, no fundo do quintal.
Era um pardal como os outros.



Fingi que ia arremessar alguma coisa contra ele, e o pardal permaneceu quieto na quina da coberta. E lá ficou.

Busquei dentro de casa o bodoque e voltei para o quintal. O pardal ainda estava lá, tranqüilo, indiferente.
Escolhi então uma boa pedra, aproximei-me uns passos, agachei-me no chão, fiz tremenda pontaria. Só vi quando o pardal rolou coberta abaixo e caiu do outro lado, onde tinha um terreno vago.

Saí correndo feito um doido, atravessei o portão e olhei de um lado e outro, a fim de ver se havia alguém da turma na rua.
Eu queria que todos vissem. Que todo mundo soubesse que eu matara um pardal. Não havia ninguém na rua.

Continuei correndo, dobrei a esquina e entrei no lote vago, direto no lugar onde eu supunha que estivesse o pardal. O pardal morto. Enfiei a mão no mato, justamente onde o pardal caíra do telhado. Mas aí houve um problema: o pardal estava vivo.



Ou melhor: agonizando, com o seu pequeno coração de pardal, pulsando atrás das penas arrepiadas. Fiquei com ele, piando, na minha mão.
Sem saber o que fazer, desesperado, lancei-o de encontro ao muro. Mas, na afobação em que estava, ele me escapuliu da mão, no meio do mato.






Apanhei-o novamente e joguei-o no muro. Houve apenas um batido surdo e o pardal caiu de vez, inerte. E não piou mais. 





Aliás, piou, sim. E continua piando dentro de mim até hoje.



terça-feira, 17 de setembro de 2013


"Eu comecei minha faxina. Tudo o que não serve mais (sentimentos, momentos, pessoas) eu coloquei dentro de uma caixa. E joguei fora." 



"Mas como menina-teimosa que sou, ainda insisto em desentortar os caminhos. Em construir castelos sem pensar nos ventos."
            
                                                Caio Fernando de Abreu

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A serpente e os camponeses

Abaixo uma boa história (já precisei utilizá-la diversas vezes com os alunos), lembrei dela porque estamos passando por um momento importante de discussão e aplicação de novos parâmetros em relação à segurança e a defesa nacional. 

Sabemos que o Brasil tem deixado muito a desejar em relação a política de segurança tanto interna como externa. Não possuímos satélite, temos exatamente 6 cabos submarinos, estamos sem leis de proteção a privacidade dos dados brasileiros, nos faltam também o desenvolvimento de softwares e mais do que nunca é necessário construir um plano de defesa cibernético. 
Após as denuncias de espionagem sobre a comunicação pessoal da Presidenta Dilma e a Petrobrás, o governo brasileiro precisará acelerar e ampliar a construção de políticas estratégicas de defesa da nação.

Mas vamos à história:


A serpente e os camponeses

     Perto de uma pequena aldeia da  Índia, vivia uma serpente enorme que aterrorizava os habitantes, picando mortalmente quem passava por aquelas terras. 
Cansados, os camponeses formaram uma delegação, foram consultar um sábio e se queixaram da maldade da serpente.

     O sábio, por sua vez, foi até onde a serpente estava. Conversou com ela demoradamente, censurando-a por aquele mau comportamento. 
O que os camponeses tinham feito com ela? Por que tantas mortes e tanta violência gratuita? Ele soube encontrar tão bem as palavras que a serpente ficou transtornada. Ela jurou se corrigir e manteve a palavra.

A partir daquele dia, a serpente não foi mais a mesma. Ela, o réptil terrível, tornou-se uma espécie de minhoca comprida e flácida. Perdeu toda a sua força e não tinha nem coragem para engolir a coitada de uma lesma.

Os camponeses, que tinham a memória bem curta, vieram zombar de sua fraqueza. Dava mesmo muita pena ela ter presas venenosas e não usá-las nunca! Cada vez que as crianças passavam por perto, jogavam pedras ou lhe davam pontapés.

Depois de vários meses nessa vida, a serpente cansou de todos aqueles maus-tratos. Arrastou-se com muita dificuldade até a casa do sábio, e foi a vez de ela lhe contar seus problemas.

- Fiz tudo aquilo que você me pediu, mas tenho impressão de não ser mais eu mesma. 
Os camponeses não tem mais medo de mim e acabou-se todo o respeito que tinham antes. Eles me desprezam, me chutam e meu coração está sangrando. O que é que você me diz?
- O que eu posso lhe dizer é bastante simples – respondeu o sábio. – Eu proibi você de picar mortalmente os camponeses. Mas proibi você de sibilar?




A violência não é uma solução, menos ainda a falta de coragem e a fraqueza. 
Seguindo esse preceito, o sábio hindu Gandhi (1869- 1948) criou um modo e digno de lutar sem violência a não-violência.


História acima foi retirada do livro:
Fábulas filosóficas de Michel Piquemal e Phillippe Lagautrière