O primeiro livro que meu filho ganhou (sendo que ele ainda estava no meu ventre) foi um de pano, de 3 colegas que trabalhavam com assessoria às bibliotecas escolares do Estado.
O incrível é que naquele momento eu nunca imaginaria que um dia trabalharia como professora em uma biblioteca.
Este livro continua guardado como recordação e foi muito utilizado por ele quando bebê.
O Marcos cresceu e seus livros infantis foram tomando outros rumos e se espalhando por outras bibliotecas e por outros lares com crianças.
Mas alguns livros deste período ele não se desfaz por nada deste mundo.
E outros, eu os tomei emprestado, por gostar tanto das histórias e aproveitá-las contando para outras crianças.
Um dos livros que meu filho ganhou em 2004, e que agora considero meu, é "Festa no céu", lembro que o li muitas vezes antes de ele adormecer.
O livro conta a história de um jabuti, que de certa forma voou, para poder participar de uma festa no céu.
Festa no céu
Recontado por Ana Maria Machado
Ilustração de Marilda Castanha
Há muitos e muitos anos, no tempo em que os bichos falavam,
teve um dia em que de repente começou a correr uma notícia pela floresta:
- Vai ter festa enorme! Uma festa ótima!
Foi a maior animação. Tudo o que era bicho queria ir. Mas
quando eles se encontraram, perto do rio, na hora de beber água, viram que a
festa não era para todo mundo.
Quando o macaco, o veado, a cotia, a capivara, o jabuti e
uma porção de outros bichos estavam reunidos conversando sobre a festa, aconteceu
que o bem-te-vi, que voa bem alto, foi explicando:
- Vocês não vão poder ir.
- E por quê?
- É que a festa vai ser no céu, e bicho que não sabe voar
não pode ir... Como é que vai chegar lá?
Todos ficaram com pena.
- Sujeira de São Pedro... – comentou o caxinguelê;
- A gente vive aqui sem nada para se distrair e quando eles
fazem uma festa não é pra todo mundo...
- Também não faço nenhuma questão de ir....- disse a anta.
–Deve ser muito frio, com muito vento.
- Pois eu faço – disse o macaco. – E vou pro alto da árvore
mais alta da floresta ver se consigo pular até uma nuvem. Deve ser uma festa
ótima!
O jabuti também achava que devia ser uma festa ótima. E ficou pensando
em que jeito podia dar para ir.
Nos dias que faltavam para a festa, só se falava nisso na
floresta.
- Dizem que vai ter um monte de comida gostosa. Bolo,
brigadeiro, sanduíche...
- E vai estar cheio de coisas deliciosas para beber.
Laranjada, guaraná, chocolate gelado, suco de fruta...
- Ouvi dizer que os anjinhos já estão enfeitando tudo. Vai
ficar uma beleza...
- Vai ter mágico, teatrinho, dança.. E muita música, que
quase todos os convidados são músicos e vão tocar e cantar.
Era mesmo. Cada passarinho tratava de ir treinando e
ensaiando a cantoria. E quem não cantava ia levar algum instrumento.
Até urubu, que tinha uma voz horrorosa, se animou:
- Vou levar minha viola.
E implicava com os bichos de pele e de pelo, que não podiam
voar:
- Que pena que vocês são tão inferiores, não podem ir...
Quem sabe, um dia eles fazem uma festa no inferno? Aí é só cavar um buraco e
você vão... Rá-rá-rá...
Além das gargalhadas e da implicância, os bichos ainda
tinham que aturar a viola desafinada e a voz horrorosa do urubu:
- Vou pegar minha viola e contente eu vou cantar...
Pra vocês eu nem dou bola até a festa se acabar.
Mas daí a uns dias, o jabuti estava na beira do rio e viu
uma garça sua amiga.
- Comadre garça, posso lhe pedir um favor?
- Pois não, compadre jabuti.
- Será que a senhora podia me levar à festa no céu.
- Levar à festa? Mas como?
- Não sei. Nas costas, ou no bico.. É que eu queria tanto ir...
A garça olhou bem para ele e ficou com pena. Afinal, ela
morava em qualquer lugar que quisesse. Costumava voar no alto do céu, com uma
vista linda. Quando cansava, escolhia a paisagem mais bonita pra pousar, sempre
perto de uma lagoa ou de um rio cheio de peixes e árvores. E o coitado do
jabuti só ficava no chão, se arrastando junto da terra, carregando a casa nas
costas...
- Que condição? – perguntou o jabuti, todo contente.
- Eu só levo, mas não trago. Assim, se eu quiser comer e
beber bastante, não tenho que ficar me preocupando com o peso da volta.
E se quiser sair com os amigos para outro lado depois da
festa, não preciso me desviar para levar ninguém em casa.
- Está bem – disse o jabuti.
E ficou combinado.
No dia da festa, a garça cumpriu a promessa.
E lá se foi o jabuti para a festa no céu, bem instalado nas
costas macias da garça, segurando bem firme no pescoço dela. Vendo toda a
paisagem bonita, lá de cima.
Quando chegaram no céu, ele nem acreditava que pudesse haver
uma festa tão boa, num lugar tão bonito.
O chão era todo macio, um tapete de nuvens.
As paredes eram por-do-sol, o teto era de madrugada, tudo
ensolarado de luz brilhante.
E o salão estava na maior animação, cheio de pássaros e
insetos se divertindo muito, conversando, ouvindo música.
A outra sala era o lugar da comilança. (..)
Muito educado, o jabuti não bancou o guloso. Mas provou um
pouquinho de cada coisa, até ficar com a barriga tão cheia que não cabia mais
nada. (...)Mais tarde, começaram as danças, e o jabuti não parou. (..)
Mas no meio da festa o urubu começou a implicar com o
jabuti:
- Como é que você veio parar aqui?
E saiu gritando:
- Tem penetra na festa!
Os outros não ligaram a mínima. Mas o jabuti ficou com
vergonha e saiu do salão.
Também, a verdade é que o jabuti estava ficando cansado. Com vontade
de ir embora. E não tinha a menor ideia de como é que ia fazer para voltar para
casa.
Aí olhou num cantinho e viu os instrumentos dos músicos. E
teve uma ideia. Entrou na viola do urubu, se ajeitou bem encolhido num
cantinho, e pronto!
Podia dormir sossegado. Quando o urubu fosse embora, levava
a viola com ele dentro. E era só ele esperar chegar bem firme no chão, sair
dali e ir para sua toca.
Quando a festa acabou, os músicos foram os últimos a ir
embora. O urubu pegou a viola, prendeu nas costas e lá veio voando.
Mas estranhou o peso. Alguma coisa estava muito esquisita.
- Será que eu comi tanto assim?
Ou dancei tanto que fiquei cansado? Quando eu vim estava
muito mais fácil voar.. Agora está tão difícil... (..)
De repente o jabuti começou a espirrar e o urubu descobriu
tudo:
- Ah, então é isso, hein? É você que está pesando dentro da
minha viola, é?
Sacudiu bem a viola, com o buraco para baixo, e o jabuti
caiu.
Enquanto caía, bem depressa, via que a terra ia se
aproximando cada vez mais.
E gritava:
-Pedra, sai de baixo, senão eu te esborracho!
E a pedra, nada.
- Pedra, sai de baixo senão eu te esborracho!
A pedra nem saiu do lugar.
Como a pedra não saiu, quem se esborrachou foi o jabuti.
E ia ter se acabado para sempre, mas deu sorte...
É que Deus viu tudo, e ficou com pena.
Afinal, o jabuti só estava querendo se divertir na festa do
céu.
Então Deus mandou os anjos consertarem o casco do jabuti,
juntando todos os pedacinhos, como se fosse um quebra-cabeça.
É por isso que até hoje o jabuti tem o casco todo remendado.
E como teve esse acidente chato nunca mais Deus quis fazer
uma festa no céu.
A sorte é que os homens aprenderam a fazer festa na terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário