quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O menino que comia lagartos - literatura infantil (temática: consciência negra)

Ontem na turma A33 li a história: “O menino que comia lagartos” de Mercê López (livro enviado pelo MEC à todas as Escola públicas pelo PNBE/2012)

O continente Africano é encantador, com suas histórias, suas etnias, seus animais e plantas, com mais de 50 países, é um universo imenso a ser descoberto.

E nós temos muito o que descobrir, até porque nos não podemos esquecer que devemos muito a Mãe África. A nossa cultura, história, beleza, religião, riqueza, trabalho, arte, comida, palavras... nosso país é repleto da influência dos povos africanos.

A história postada no blog nos apresentará um pouco dessa diversidade e beleza.

É a história de um menino que sente pena de um lagarto branco que chora.
Ele procura o “sacerdote” Kluni para pedir ajuda e esse explica que as cores do animal e a alegria foram embora, como as lembranças, assim como aconteceu com o povo africano. 
E através dos símbolos, da cultura, das tradições, da música, da dança... em uma longa jornada, o lagarto e o menino irão lutar contra o esquecimento e vencê-lo.


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Depois de dizer o nome da história um aluno me perguntou: 
“- Essa história é de verdade?”
 Eu disse para ele: 
"- Espera um pouco, a escritora  dirá no final."

Ao terminar de contar eu lembrei da pergunta dele e disse:
“- Olha o que ela escreveu: 
“Não sei se isto é verdade, foi assim que me contaram. 
Para saber...” 

Para saber você vai precisar ler a história abaixo:

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Mas o que mais amei nesse aluno é que depois ele me disse:

“- Me empresta o livro professora?” 

Respondi:

“ Agora não posso, depois, quero ler para outras turmas” 

E ele: “- Você vai ter que me emprestar até eu ficar adulto!”


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Vamos a história:






Recebi de Sidiki, irmãozinho de Alima, a história que você vai ler.

Foi Buba quem lhe contou..... e ele mesmo a ouviu da boca de uma vizinha, no salão de beleza de Fatu.


É a história do menino que comia lagartos.


Em uma pequena cidade da África Ocidental, vivia Tikorô, o Velho. Apesar do nome, ele não era velho, mas criança: só o chamavam assim para lembrar seu avô. Era um menino bem esperto, embora pouco falante. Como seus pais eram pobres demais para enviá-lo à escola, passava os dias zanzando pelas ruas.

Contavam que ele era mais rápido do que o vento e que falava com os crocodilos. As crianças do bairro diziam que Tikorô comia lagartos.



Toda manhã, na hora em que os hipopótamos tomavam seu primeiro banho (por volta das seis), Tikorô saía para caçar, arma na mão e olhos à espreita.


Mas, nesse dia, ele andou por muito tempo, muito tempo mesmo, sem encontrar sequer uma lagartixa.
Enfim chegou ao mercado. E lá esperava-o o maior lagarto que ele jamais vira. Tikorô preparou a arma, pronto para atirar.
Foi então que ele notou a palidez do bicho.
De tão pálido, o réptil não dava apenas medo, mas também pena: ele chorava.


Snif! Snif!
- Ikakenê, tudo bem? – perguntou-lhe Tikorô.
Como o lagarto não respondia, Tikorô começou a se preocupar. Ele lhe estendeu a mão e o levou à casa de Kluni, o marabuto[1], que sempre tinha resposta para tudo.


- Ani sogomá! – cumprimentou Tikorô
- Ani sogomá! – respondeu o outro.
Kluni recolheu uma lágrima do lagarto e a chacoalhou no oco das mãos com ossos e sementes. Depois ele espalhou tudo sobre o tapete.

Disse o marabuto:
- Veja, este osso de Samma (o elefante) corta a corrente de Dugumani (a formiga)...


Seu lagarto se esqueceu de onde veio, quem é e para onde vai.

Com as lembranças, também suas cores se foram, como ocorreu com os filhos da África...
Porque seu caminho está ligado ao dos lagartos há muito tempo, ele veio ao seu encontro. Siga os símbolos deste grigri[2], que encaminhará o lagarto para a cura. Que as cores guiem vocês... – disse Kluni. E concluiu:

- Alelô, é isto!
-Anitilê, obrigado- agradeceu Tikorô.

Nos desenhos do grigri, Tikorô reconheceu os delicados motivos dos Tuaregues[3].


Com o lagarto, ele chegou ao baobá gigante onde vivia Mohamed, o homem azul. 
- Ani Klê – cumprimentou Tikorô.
- Ani Klê – retribuiu o homem.



Mohamed examimou o lagarto:
Por cima, por baixo de frente, por trás.
Ergueu sua mandíbula e se alongou sobre seu ventre.
Enfim, declarou:

- Seu lagarto esqueceu a terra.


Em seguida, o homem azul pegou um punhado de terra: deu metade para Tikorô e esfregou na cabeça do animal o restante. O lagarto sacudiu a cabeça. Ele parecia quase contente, embora ainda chorasse um pouco.

- Agora vá, procure a família da África, que veio da terra e saberá ajudá-lo.
- Alelo, é isto! – gritaram os Tuaregues.
- Anitilê, obrigado – disse Tikorô.


Tikorô e o lagarto retomaram então o caminho da cidade. Em uma esquina do bairro Coco, avistaram um grupo de amigos tomando chá. Observando passar as pessoas, as crianças ora riam, ora choravam, ora sussuravam, ora se calavam. 

- Ani klê! – cumprimentou Tikorô.
- Ani klê! responderam.


Sem interromper a conversa, convidaram Tikorô e o lagarto a se sentar.
A certa altura, alguém disse:
- Seu lagarto esqueceu o tempo.

Um pequeno copo de chá foi oferecido a Tikorô, bem como ao lagarto, que tremia. Por um instante acharam que ele deixaria de chorar, mas não.


- Leve seu lagarto para ver os mascarados, guardiões de todos os mistérios. Eles saberão ajudá-lo.
- Alelô, é isto! Gritaram os amigos.
- Anitilê, obrigado – respondeu-lhes Tikorô.



Tikorô tomou então o caminho de Paslá, em direção ao Sul.
Era um dia de cerimônia na vila, um homem importante havia morrido.
Os iniciados, homens sábios que conheciam a língua das máscara, preparavam o ritual.
- Ani Wila- cumprimentou Tikorô.
- Ani Wila – responderam.



Os preparativos terminaram, a espera havia atingido o clímax. 
Subitamente, o mais velho dos iniciados virou-se, apostou o bastão para Tikorô e disse:

- Seu lagarto esqueceu a vida e a morte.

E os mascarados se afastaram dançando em um ritmo hipnótico.
A poeira cegava Tikorô e os tambores pulsavam nas veias do lagarto.
Quando os mascarados desapareceram, o silêncio voltou de repente.


- Alelo, é isto! – gritaram os iniciados.
- Anitilê, obrigado – sussurrou-lhes Tikorô.


O lagarto tinha recuperado quase todas as cores e Tikorô estava tão contente que foi tomado por uma irresistível vontade de cantar e dançar. Ele decidiu procurar os músicos de Djeliá.
- Ani su! Cumprimentou Tikorô.
- Ani su!

Logo os músicos pegaram seus instrumentos e fizeram um círculo em torno do menino e do réptil.
Cada músico observou o lagarto com atenção. Depois proclamaram em coro:

- Seu lagarto perdeu a alegria de viver!


Então começaram a cantar e a dançar. A música e as palavras foram penetrando todo o corpo do animal. O lagarto enfim parou de chorar.
- Alelo! – gritou o lagarto.



Quando chegou o momento da despedida, o lagarto virou-se para Tikorô e lhe disse:
- Para agradecer sua ajuda, vou dar a você um dom, a você e a todos aqueles a quem contar esta história: o dom de sempre voltar a sorrir após uma provação.


Dizem que, desse dia em diante, o Velho parou de comer lagartos.
Dizem também que viveu uma longa vida, 137 anos, e que muito viajou para contar sua história.
Dizem ainda que ele foi feliz por se manter sereno diante dos problemas e dificuldades, sabendo que sempre voltaria a sorrir.


Mas, sobretudo, dizem que aquele que recebe esta história recebe com ela o dom do lagarto.


Não sei se isto é verdade, foi assim que me contaram. Para saber, seria preciso atravessar de avião o Saara até chegar a Uagadugu[4]; depois pegar o ônibus azul até o terminal...



... e ali pedir a um taxista para levá-lo ao bairro da velha mesquita, na segunda rua do lado direito da avenida asfaltada.



Ao chegar, pergunte por Alima, Sidiki ou Fatu: eles saberão lhe explicar a história do menino que comia lagartos.






[1] Sacerdote muçulmano. 


[2] Amuleto africano com versos do Alcorão 


[3] Grupo étnico nômade que habita o deserto do Saara. 


[4] Capital de Burkina Faso, na África Ocidental com cerca de um milhão e meio de habitantes.


Griôs:  são os poetas, músicos e cantores andarilhos que guardam a memória e as tradições de uma comunidade. Também atuam como mediadores nas disputas entre famílias e indivíduos, como arautos em assembleias e outros locais de debate público.




Sobre os Tuaregues você pode ler:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Tuaregues


Uma curiosidade desse povo:

" (...) os Tuaregues teriam como principal protagonista na unificação das diversas tribos a rainha Tin Hinan, a primeira rainha a governá-los.

Essa história foi mantida viva através da tradição oral desse povo. Afirma-se que por volta do século IV, Tin Hinan tenha saído de Tafilet, na região do Monte Atlas, no Marrocos, e se direcionado com sua dama de companhia, Takamat, para a região do Hoogar, no deserto do Saara. Indícios arqueológicos indicam que o topo da pirâmide sociopolítica desse povo era ocupado por uma mulher. Tin Hinan teria conseguido unificar as diversas tribos Tuaregues nesse período, sendo considerada a “Mãe de todos nós" (...)"


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