" O cara" é um livro que ainda não utilizei com os alunos, mas como cai de amores por ele, resolvi postar, uma bela homenagem para quem gosta de ler, ouvir, escrever ou contar histórias.
O cara
De Philippe Barbeau
Ilustração:Fabienne Cinquin
Tradução Marcos Bagno
Páginas arrancadas do diário de Philipe Barbeau
Segunda-feira.
De manhã, eu passeava.
Estava realmente muito bem, com a cabeça nas estrelas,
os pés na felicidade e alegria dentro do
coração.
E aí, de repente, reparei num CARA a uns trinta metros
de mim.
Ele logo me pareceu esquisito,e,olhando melhor,
adivinhei o que tinha de errado: ELE NÃO SABIA SORRIR.
Nada me irrita mais do que um cara que não sabe sorrir,
então apanhei uma pedra –ah! Nada maior do que uma noz – e atirei nele.
Acertou em cheio no seu queixo. Eu me aproximei.
-Está doendo!- me disse o cara, fazendo careta.
- Ora! Bastava você sorrir – chamei a atenção dele.
- Sorrir? Não sei o que é isso.
Ah! Ele me irritou ainda mais. Por um triz não lhe dei
um tapa, mas aí eu disse a mim mesmo que não queria criar caso.
Então, enfiei as mãos no fundo dos meus bolsos e voltei
para casa.
Ao meio-dia eu passeava.
Estava muito bem, com a cabeça nas estrelas e os pés na
felicidade.
Sim, eu estava muito bem.
De repente reparei num cara a uns vinte metros de mim.
O mesmo de segunda-feira. Ainda mais esquisito.
Não precisei olhar muito tempo para ele. Logo adivinhei
o que tinha de errado esse dia: ele não sabia sonhar.
Nada me irrita mais do que um cara que não sabe sonhar,
então apanhei uma pedra – ah! Nada maior do que uma laranja – e atirei nele.
Acertou em cheio no seu nariz. Me aproximei.
-Está doendo!- me disse o cara, choramingando.
- Ora! Bastava você sonhar – chamei a atenção dele.
- Sonhar? Não sei o que é isso.
Incrível!
Por um triz não lhe dei um soco na cara, mas disse a
mim mesmo que não queria criar caso.
Então, enfiei as mãos no fundo dos meus bolsos e voltei
para casa.
À tarde eu passeava. Estava bem, com a cabeça nas
estrelas. Estava bem. Enfim... Nada mais.
De repete, reparei num cara a uns dez metros de mim. O
mesmo de segunda e quarta-feira.
Mais esquisito que nunca.
Mal olhei para ele e logo adivinhei o que tinha de
errado esse dia: ele não sabia amar.
Nada me irrita mais do que um cara que não sabe amar,
então apanhei uma pedra grande – ah! Nada maior do que um melão – e atirei
nele.
Acertou em cheio a sua testa. Eu me aproximei.
- Está doendo! – me disse o cara, chorando como uma
fonte.
- Ora! Bastava você amar – chamei a atenção dele.
- Amar? Não sei o que é isso.
Ah! Por um triz não o estrangulei, mas disse a mim
mesmo que não queria criar caso.
Então, enfiei as mãos no fundo dos meus bolsos e
disparei para casa.
À tarde, eu passeava. Estava mal. Nuvens embaçaram meu
ânimo. Estava realmente mal.
De repente, fiquei frente a frente com o cara, o mesmo
de sempre. Imediatamente adivinhei o que tinha de errado: ele não sabia nem
sorrir, nem sonhar, nem amar.
Tudo ao mesmo tempo!
Aquilo foi mais forte do que eu:
Apanhei um pedregulho
- ah! Nada maior do que um paralelepípedo - e atirei
nele.
O cara sem dúvida estava cansado de ser atingido na
cabeça, então ele se abaixou.
Eu me aproximei enquanto ela o apanhava.
Ela se virou para mim e sussurrou:
- Não é nem um pouco inteligente atirar pedras na cabeça das pessoas.
Era a primeira vez que me diziam isso. Perguntei a ela,
espantado:
- Ei! Você, que é tão inteligente, sabe sorrir?
- Sei!
E o rosto dela se iluminou com um formidável sorriso..
Eu nunca tinha visto um sorriso tão bonito.
Perguntei a ela, surpreso:
-Você, que é tão inteligente, sabe sonhar?
- Sei!
E ela me levou no seu olhar, onde fiz uma formidável
viagem.
Eu nunca tinha feito uma viagem tão bonita.
Perguntei então a ela, atordoado:
- Você, que é tão inteligente, sabe amar?
E ela me abriu seu coração, onde descobri um formidável
amor.
Eu nunca tinha admirado um amor tão bonito.
Não sabia mais onde estava. Era a primeira vez que sentia
aquilo.
Então, perguntei à mulher:
- Você... você, que é tão inteligente, onde aprendeu
tudo isso?
- Venha... me acompanhe.
Ela se sentou num canto.
Eu me acomodei ao lado dela e, com a voz mas fresca do
que a água de uma fonte, ela me contou histórias.
A partir de amanhã, não vou mais atirar pedras na
cabeça das pessoas, vou contar histórias para elas,
É bem mais inteligente para ajuda-las a sorrir, a
sonhar e a amar.
O autor: Philippe Barbeau nasceu em Blois, França, em
1952. Ele passa grande parte do tempo imaginando histórias.
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